domingo, 25 de julho de 2010

Com a corda no pescoço

A primeira vez que vi meu passageiro, ele estava acompanhado dos pais. Estavam na cidade à procura de um apart hotel. Eles moravam em outro estado, mas o filho ficaria em Porto Alegre para fazer um curso preparatório para o vestibular de medicina da Ufrgs. Enquanto os pais entravam para conhecer os hotéis, o garoto contava-me sua história.
Falou que criou-se dentro de consultórios. Os pais, médicos, queriam que o filho seguisse a carreira deles. O rapaz estava feliz, pois adorava a medicina e não pensava em fazer outra coisa na vida. Pretendia cursar a universidade em Porto Alegre e, então, voltar para sua cidade para exercer a profissão junto dos pais. O investimento seria altíssimo, o curso era muito caro, mas todos pareciam certos do que estavam fazendo.
O garoto acabou ficando meu cliente. Volta e meia, ligava-me para levá-lo à faculdade ou para alguma festa. Estudava com afinco e uma vez por mês ia visitar os pais. Foi um cliente feliz até o vestibular. Apesar de dedicado aos estudos, ele não passou. Foi um baque, tanto para o garoto quanto para os pais, mas decidiram seguir com o mesmo plano: mais um ano de investimento.
Foi visível a mudança no comportamento do rapaz. Tornou-se obcecado pelos estudos. Não o levava mais a lugar nenhum que não fosse às aulas. Não falava em outra coisa a não ser em livros. Até que chegou novamente o vestibular e ele, mais uma vez, fracassou.
No terceiro ano de estudos, ele acabou sucumbindo à tentação das drogas. Tempos atrás, ligou-me. Estava um lixo, queria que eu o levasse até um morro. Neguei-me a fazer a corrida. Foi a última vez que o vi.
Semana passada, peguei uma passageira apavorada, em prantos. Disse que havia um sujeito enforcado no meio do Parque Farroupilha. Ela comentou que não sabia o que poderia levar uma pessoa a uma atitude daquelas. Eu sabia.

18 comentários:

Liana disse...

Coitado.

Caminhante disse...

Juro que eu pensei que no meio desse caminho, ele ia descobrir que o mundo é amplo e que tem outra vocação. Os pais ficariam decepcionados, etc, etc. Teria sido tão melhor!

Edmilson disse...

Este mundo seria muito melhor se as pessoas buscassem fazer as coisas que lhes proporcionassem mais prazer e não as que lhes dessem mais dinheiro. Quando se faz algo com prazer, com a verdadeira vocação, tudo tende a ser mais fácil e o dinheiro acaba vindo de alguma forma. Nós, humanos, somos os verdadeiros irracionais dentre os seres vivos, pois inventamos um pedaço de papel, demos à ele um valor que ele não tem e depois (pasmem) viramos seu escravo. Há braços.

Lelê Maria disse...

Em tempos de crack...

vidacuriosa disse...

O melhor não é desistir de um sonho, mas mudar de sonhos. Nem sempre querer é poder, nem tudo o que se quer se consegue. Perseverança e luta incansável é elogiável, mas é preciso ter os pés no chão. Trste história que se repete de uma maneira ou outra neste mundo complicado.

Sylvio de Alencar. disse...

Complicado: muitos elementos contribuíram para este desfecho; elementos criados pelos pais, e alimentados pelo filho...

Abrçs.

Ricardo Mainieri disse...

Esta tua crônica, infelizmente pertence ao reino da Realidade.
Lá no reino da Ficção, um filme chamado Sociedade dos Poetas Mortos aborda este tema ao mostrar um professor que provoca positivamente os alunos.
Um deles quer se tornar ator de teatro, mas os pais querem que ele seja advogado. Como teu ex-passageiro, ele não suporta a pressão e se suicida.
É triste ainda ver que a família quer projetar nos filhos suas preferências e não para para ouvir o que eles, realmente, querem.
Esta família nem pensou na possibilidade de fazer um teste vocacional, uma orientação psicológica.
Deixou o rapaz transformar-se de um nerd num drogado. O desfecho, triste, atesta que certas famílias não estão, realmente, cuidando do emocional e do mental dos filhos. Cuidam, isto sim, do seu status, suas relações sociais e profissionais e o resto que se dane...
Parabéns por este texto. Não é para se rir, mas é dotado de muita profundidade.

Abs.

Ricardo Mainieri

Tiago Medina disse...

Putz...
tem que ter cabeça forte para aguentar a pressão que é a vida - eum vestibular de medicina.
Mas o que me incomoda, e, dependendo do caso, me irrita, é ver alguém jogando a vida fora. Não falo especificamente de suicídio. Mas alguém que tinha tudo pra dar certo, pra ser um modelo para os outros, se joga, se despediça, se perde...
Isso é triste.

abraço, cronista da vida

Hidaiana Rosa disse...

Ahhh, já estava enlouquecendo por esse texto! Huuum, então foi esse o motivo? Triste mesmo. Minha época de vestibular também foi conturbada, mas superei tudo numa boa, graças a Deus!
Kisses ;*

Anônimo disse...

Há inúmeros apspectos dessa história(bem contada, como sempre) que dariam uns dez livros para explorar, mas agora só penso em como alguns pais se dão ao direito de planejar ou criar expectativas para os filhos, como se fosse deles a vida.
Triste. E não é tão raro.
Abraço, colorado sorridente.

Anunciação disse...

Coitado.

thais disse...

Triste.

Liu disse...

Ow man.
Tem coisas que só Jesus.

**** disse...

Eh! Este negócio dos pais quererem continuar gozando nos filhos é sempre uma merda.

Leika Horii disse...

Entrar em medicina, pode ser complicado. Ele poderia ter tentado outras universidades, pq será essa fissura pela UFRGS?!
Triste.

vidacuriosa disse...

Normalmente os jornais não noticiam suicídios, mesmo em praça pública, ou, se o fazem, resumem-se a notas. Há um acordo tácito na imprensa de não dar muito destaque a casos como esse. Existe uma crença de que a divulgação com detalhes pode determinar uma enxurrada de novos suicídios. Já ouvi sobre estudos relacionados a essa questão, mas nunca tive acesso a qualquer um deles. Uma vez, em uma palestra sobre violência, um político que se dizia especialista em segurança e direitos humanos citou a existência de pesquisa científica sobre essa inflûência da imprensa. Solicitei que me indicasse qual estudo era esse, ele me pediu e-mail e nunca me deu retorno.

No ano passado, o suicídio do filho do politico gaúcho Odacir Klein foi transformado em reportagem, que resultou em Prêmio Esso. O menino fazia tatuagens por todo o corpo e implantava chifres de silicone na testa e se jogou do oitaco andar de um prêmio no centro de Porto Alegre. Foi uma história extremamente triste.

Magui disse...

Cáspita!!!!

Carol RJ disse...

Nossa, me dá uma revolta qd sei da casos como este, comportamento obsessivo dos pais, resultou nisto...Que triste!