Transportei agora há pouco uma menina muito corajosa. Uns três aninhos de idade, cabelo ralo e olhos brilhantes. Ela viajou sentada no colo da mãe, agarrada a um unicórnio rosa. Estavam indo para o Hospital da Criança Santo Antônio. Quando a mãe confirmou que ela teria que levar um "pique", a menina disse que estava com medo, mas segurou o choro, a voz embargada, apertou o unicórnio contra o peito. A mulher me explicou que a filha está vencendo uma leucemia, que está lutando bravamente, mas as coletas de sangue são um problema. A pequena Isabela disse que seu unicórnio chama-se "Patas Brilhantes" e que ele também tem medo de pique. Confessei a ela que também tenho, todos tem, que não há problema em sentir medo. E inventei uma história sobre o poder de cura do chifre espiral dos unicórnios, e por um instante ela parece ter esquecido que estava indo para o hospital. Pelo resto da viagem, brincou de espetar a mãe com o pequeno chifre de pelúcia do Patas Brilhantes.
quinta-feira, 5 de novembro de 2020
domingo, 20 de setembro de 2020
sexta-feira, 28 de agosto de 2020
Meio da manhã, um homem chega até meu táxi antevendo o caminho com uma bengala de alumínio. Um deficiente visual. Ele pede que eu toque até uma esquina específica do bairro Santana. Durante a corrida, ele pergunta se posso esperá-lo por um tempo, depois trazê-lo de volta. Claro. Ao chegarmos no ponto indicado, ele pergunta se estou avistando uma ameixeira, bem na esquina. Ele pede que eu estacione o táxi embaixo da árvore. Paro na sombra da ameixeira. Ele pede que eu desligue o rádio e abaixe um pouco o vidro da janela do seu lado. Ok. Ele não fala nada. Ficamos assim por um tempo. Nada acontece. Dou uma espiada. Por baixo dos óculos escuros, meu passageiro está com os olhos fechados. Penso que ele pode ter pegado no sono. Quando decido falar alguma coisa, o homem começa a sorrir. Primeiro um sorriso discreto, que logo se alarga. O homem cego está rindo. Não contenho a curiosidade:
segunda-feira, 10 de agosto de 2020
Passageira tri interessada no meu livro, vinte pilas, leu uma história, gostou, quase comprando, paramos na esquina da Ipiranga com Silva Só. Um piá vendendo morango. QUATRO BANDEJAS POR VINTE! QUATRO BANDEJAS POR VINTE! Ele gritava. Chamou a atenção da minha cliente. Levantou os olhos do livro, olhou os morangos. Senti o drama. Comentei que estão caros, "dia desses estavam quatro por dez". Mas ela interessada, e o guri gritando: QUATRO BANDEJAS POR VINTE! QUATRO BANDEJAS POR VINTE! A mulher chamou o guri dos morangos, largou o livro. Eu falando dos agrotóxicos, da seca que não adoçou as frutas, das bandejas com vírus. Nada, a mulher analisando os morangos na janela do meu táxi. O piá insistindo aos berros: QUATRO BANDEJAS POR VINTE! TÁ BARATO! QUATRO BANDEJAS POR VINTE!
terça-feira, 7 de abril de 2020
domingo, 8 de setembro de 2019
- Sim, eu percebi.
- Estamos muito longe da Capital? A que horas o senhor chega em Porto Alegre?
- Porto Alegre? Eu estou seguindo em direção a fronteira, Porto Alegre fica a 300km, no sentido contrário!
domingo, 24 de fevereiro de 2019
______________
Ter uma drag queen se desmontando no banco traseiro é uma experiência pela qual todo o taxista deveria passar.
______________
Se você está saindo do Barra shopping, iPhone na mão, sacolas da Zara penduradas no braço, óculos de grife prendendo o cabelo platinado, dando mó pinta de burguesa, se você é essa pessoa: não pergunte ao taxista se ele "faz preço de Uber". Não faça isso, madame
______________
- Dez reais.
- Meu anjo, acho que você não vai caber. Talvez um táxi maior...
- O senhor reclina um pouco o encosto, abre bem a porta, eu me ajeito.
- O anjo não parece bem?
- Porque acha que estou pegando seu táxi? Preciso ir até uma pet shop que tem na rua Santana.
- Pet shop?
- Conheço o veterinário de lá, ele há de me ajudar.
- Algum problema?
- Minha asa direita. Acho que quebrei alguma parte dela, preciso examinar.
- Numa pet shop?
- Bom, é uma asa, o taxista notou que sou um anjo. A medicina para humanos não ensina a lidar com asas... Conheço o veterinário daquela pet, ele já me atendeu outras vezes.
- Como conseguiu quebrar a asa?
- Caí de uma goiabeira. Uma mulher lá me confundiu com outra pessoa, me atrapalhei. O senhor sabe, anjos caídos... vivemos caindo mesmo.
- Sei.
- Semana passada caí da bicicleta.
- Bicicleta?
- Eu comprei uns fones de ouvidos, desses grandes, sabe, potentes, JBL, pedalar com fones é um perigo, não percebi um carro se aproximando por trás, ele não chegou a bater em mim, só o susto mesmo, mas caí. Isso de cair parece uma sinal. Melhor seria ter ficado no céu.
- Taí a pet shop. O anjo tem grana pra pagar o táxi?
- Aceita cartão? BanriCompras?
- Banrisul?
- Tenho Visa também, mas é crédito. Dá pra dividir em três vezes?
- Certo. Tá ruim pra todo mundo.
- Ô.
A jovem esposa de motorista de aplicativo, que busca amainar sua solidão nos braços de um taxista. Uma história carregada de ironia, paixão e verdade, mas que não convém contar.
domingo, 17 de fevereiro de 2019
terça-feira, 1 de janeiro de 2019
_________
- Sim.
- Pois eu também escrevo. Escrevo mensagens, sabe, mensagens positivas, as verdades da vida, coisas lindas, pra cima.
- Humm.
- Mas esse seu livro é sobre o quê? São tipo piadas de taxistas?
- Não exatamente.
- Histórias depravadas? Os taxistas me contam cada coisa! Rola muita sacanagem, não é? Já namorei um taxista, sei como é...
- Não diga.
- Eu escrevo mensagens, lindas mensagens, mando pro amigos no Facebook. O senhor tem Facebook?
- Não senhora.
- Que pena.
Alguém empresta uma arma?
- Pois então. Aqui estou!
- O senhor é taxista? Esse é um táxi?
- É um táxi. E novinho em folha!
- Branco? É o mesmo preço do outro?
- Mesmo preço, normal, é a nova cor.
- Pois não.
domingo, 16 de dezembro de 2018
- Não queira saber, senhor.
- O senhor dirigindo táxi?
- Sim, sou taxista.
- Pensei que fosse escritor, até comprei um livro seu.
- Opa! E que tal? Gostou?
- Uma porcaria. O senhor me desculpe a franqueza.
- Ora, o que é isso, não tem problema.
- Na verdade, foi minha mulher que pediu pra comprar, ela é sua fã.
- Sério?
- Sim, ela assiste o programa da Fátima Bernardes, o senhor vive lá, não é?
- Fui uma vez.
- Pois então, minha mulher pediu seu livro, comprei, dei uma lida e, desculpa, achei uma bosta. Aquela coisa de relacionamento, auto ajuda pra namorados... fútil.
- Talvez o senhor esteja me confundindo...
- O senhor não é escritor?
- De certa forma...
- Como é mesmo o nome... Carpinter... não...
- Carpinejar?
- Isso aí! Bah, deixa pra lá, toca pro Centro.
____________
- QG da costela?
- Não conhece o QG da costela, taxista?
- Bah, não conheço.
- Os taxistas comem direto alí, melhor churrasco da Cruzeiro. Vou tomar mais um gelo antes de ir pra casa.
- taxista, eu acabei de colar minhas unhas, o senhor pega a carteira aqui na minha bolsa?
- Meu Deus, a senhora tem um revólver!
- Não se preocupe, está travado.
- Dá licença.
- Na parte de fora da carteira, deve ter R$50 aí.
- Só tem camisinha, aqui... quantas!
- No meu trabalho preciso muitas.
- Não diga.
- Essa é sabor caipirinha, o senhor já provou?
- Não. Não tem dinheiro aqui, amiga.
- Nessa parte de dentro, ali atrás do Santo Expedito... Não? Ué, poderia jurar que estava aí, olha bem, senhor, vê aí.
- Dá licença.. não, nada por aqui.
- O senhor me faça o favor, aqui no bolso, veja aqui no bolso de trás, deixa eu virar um pouco.
- Mas, eh...
- Veja aí, não? Nenhum dos dois?
- Uma conta de luz.
- O senhor viu como subiu a energia? um horror!
- Subiu, tá subindo tudo.
- Ai, senhor, me desculpa, acho que está aqui no sutien, tô lembrando, veja pra mim aqui.
- Quem sabe a unha já secou...
- Francesinha metalizada, olha, top, não é mesmo? Se eu estrago essa unha eu me mato.
- Dá licença então... Outra camisinha.
- Haha, eu nem lembrava dessa. Aqui, taxista, veja no bojo direito, por favor.
- Aqui está! Ufa! Que calor!
- Em quanto está a corrida, bah já subiu o valor!
- Subiu, tá subindo tudo.
_________
- Como é que a senhora suporta essa zona?
- Trigêmeos, depois de três anos, a gente relaxa, entrega pra Deus, só interfere quando estão a ponto de se matar.
- Entendi.
-- Alô.
-- Maciel?? Quem está falando, esse não é o número do Maciel?
-- Esse telefone foi esquecido no meu táxi...
-- Puta que o pariu, meu marido, o Maciel, preciso falar com ele! Tô com o pedreiro aqui em casa, faltou material, meu marido tem que comprar mais massa corrida...
-- Dona, tenho que desligar, tô ao volante.
-- Alô, é o taxista?
-- Sim.
-- Pelo amor de Deus, moço, preciso falar com meu marido, tem como o sr. voltar onde deixou ele, devolver o telefone. Foi num asilo? Ele visitaria o pai dele hoje!
-- Asilo? Hãã, não sei, é que...
-- Maldito Maciel, o pedreiro tá aqui, sem fazer nada, e agora, moço?