tag:blogger.com,1999:blog-44820458251123991412024-03-08T08:34:08.881-03:00TAXITRAMASTaxistas são terríveis: reparam em tudo!!
Alguns, o que é pior, ainda escrevem na Internet.Mauro Castrohttp://www.blogger.com/profile/14231862112751509661noreply@blogger.comBlogger468125tag:blogger.com,1999:blog-4482045825112399141.post-83118292075529179522024-01-20T19:11:00.001-03:002024-01-20T19:11:51.278-03:00<div>Dia anoitecendo, eu largando uma corrida no fundo apocalíptico da Restinga Velha, prédios em ruínas, esqueletos de carros esquecidos nas ruas, um funk tocando ao longe. A corrida até lá já foi tensa, com o passageiro dormindo a viagem toda no banco traseiro, a dúvida se ele teria dinheiro pra me pagar no final, mas eu estava aliviado: o homem, gente boa, reciclador, puxador de samba no carnaval, estava acertando a corrida e jogando conversa fora. </div><div><br></div><div>Foi quando apareceu o homem.</div><div><br></div><div>Enquanto meu passageiro se despedia, se ajeitava pra desembarcar, eu de olho no homem ao lado do táxi. Ele esperava desocupar, precisava uma corrida, com certeza, fazia-me sinais de positivo em movimentos rápidos, sem fixar o olhar nos meus olhos, suando muito, como se tivesse chegado ali correndo, o dia quente, mas já anoitecendo, sem motivo pra tanto suor, o cara mal apessoado, mal vestido, um boné torto, uma mochila encardida pendurada em um dos ombros, parecendo ansioso (drogado?), eu já pensando num desdobre qualquer pra não deixá-lo embarcar no meu táxi. O passageiro puxador de samba desceu e o homem me abordou. Segurou a porta, não deixou fechar, precisava de táxi. Tenso, suando, me pediu que aceitasse fazer sua corrida.</div><div><br></div><div>– Pelamor, pae, me leva, ae, tô vindo lá do Barro Vermelho, ninguém quer me levar, pae, me leva ae, preciso ir lá atrás do Presídio Central, pegar umas roupas pra minha mãe que tá internada com covid, é jogo rápido, pae, tranquilão, pago o senhor no dinheiro, ninguém quer me levar, sou honesto, pae, me leva ae, te dou 50 no dinheiro...</div><div><br></div><div>Pô, cinquenta conto, eu precisando mesmo voltar pro Partenon, o cara me abrindo o jogo, achei que valia a pena o risco. Mesmo com uma enorme quantidade de pulgas atrás da orelha, resolvi aceitar a missão. Bora ver qualé.</div><div><br></div><div>A corrida foi sem sobressaltos, o cara quietão, mochila no assoalho, entre os pés. Confirmou a história da mãe no hospital e não quis mais conversa. Só o barulho dos pneus no asfalto, a noite caindo e a sensação de que eu seria assaltado aumentando. Desliguei o ar e abri os vidros, na esperança que a brisa da noite segurasse a dor de cabeça que crescia na minha nuca e subia em direção aos olhos. </div><div><br></div><div>Corta por dentro da Glória, pega a Intendente, bairro Aparício Borges, aquele labirinto atrás do Presídio, entra aqui, dobra ali, sobe a Menina Elvira, sobe mais um pouco, noite nublada, abafada, sem lua, ruelas mal iluminadas. O cara firme, a mochila entre os pés, eu controlando com o canto do olho, só esperando o anúncio do assalto, até que chegamos. </div><div><br></div><div>– Para por aqui, pae, na saída do beco, vou ali pegar o dinheiro, só um minutinho, jogo rapidão.</div><div><br></div><div>Ele abriu a porta traseira, pôs um dos pés pra fora do táxi, quando fez o jeito de desembarcar eu segurei a mochila - depois que entrasse naquele beco, nunca mais que eu acharia o maluco. Se ele estava pensando em fugir, seria sem a mochila. A mochila fica, brother.</div><div><br></div><div>— A mochila, pae, preciso da mochila.</div><div>— A mochila fica comigo, eu espero tu voltar com a grana, não te preocupa, magrão.</div><div>— Péra, tio, tenho que pegar o ferro, na mochila.</div><div>— Ferro? Que ferro, meu, tá louco?</div><div>— Sereno, pae, pode ficar com a mochila, só vou pegar o ferro, pra buscar o dinheiro, sereno, péra.</div><div><br></div><div>O cara abriu a mochila e puxou um revólver! Agarrando pelo tambor, com a mão toda, um enorme trezoitão cromado, um tremendo dum ferro! Caralho! Mó taquicardia, eu em pânico e o maluco me tranquilizando. Suave, suave, vou ali e já volto. Eu segurando a mochila e o cara desembarcando, nem sinal de me assaltar, só saindo, numa boa, pedindo pra esperar um minuto, tinha umas contas pra acertar, voltaria com meu dinheiro e desceu, emburacou na viela escura!</div><div><br></div><div>Eu só aguardando os tiros. Já tarde da noite, sem viva alma na rua. Eu com a mochila, a porta do táxi ainda aberta, meio sem saber o que fazer. Que merda! E agora! Tô nesse impasse, por uma fração de tempo que não sei precisar, a cabeça girando, cinco minutos, meia hora, sei lá, quando o cara surge de volta. Passa pela frente do táxi, a arma agora segura às ganhas, mas voltada pro chão. Passou por mim, pediu que eu fosse manobrando o carro, disse que ia chamar o "patrão", só um minuto, levaria o patrão junto, rapidão. Nem um minuto depois, passou de novo em direção ao beco. Agora acompanhado do que parecia ser o patrão... Uma mulher! Gorda, peitões, chinelos, camiseta do Grêmio de umas 10 temporadas atrás: A patroa do tráfico!</div><div><br></div><div>Dei um jeito de manobrar o táxi na viela estreita, íngreme, os barrancos ameaçando despencar, meu reino por um sensor de estacionamento. Estou apontando o táxi morro abaixo quando surge de volta o magrão. Dinheiro na mão! Uma nota de 50 balançando em minha direção! Feito!</div><div><br></div><div>Agradeceu, sincero, acreditei nele, me apertou a mão, jurou que taxista não sofre pênalti naquela quebrada. É nóis! Despediu-se, a arma apontada pra baixo, já ia largando fora, tive que lembrá-lo da mochila! Podecrê, pae, tudo firmeza, suave, tranquilão...</div><div><br></div><div>A noite pesada de umidade, a cidade lá embaixo vibrando como uma miragem no calor, as luzes do Presídio Central. Dei partida e empreendi a descida na lenta, virando roda, o táxi subitamente mais leve, macio, aquela sensação boa de estar voltando aos poucos à minha realidade. Por pior que ela pareça.</div>Mauro Castrohttp://www.blogger.com/profile/14231862112751509661noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4482045825112399141.post-39011543490801780132024-01-13T11:11:00.002-03:002024-01-13T11:11:39.225-03:00<div class="xdj266r x11i5rnm xat24cr x1mh8g0r x1vvkbs x126k92a" style="background-color: white; color: #050505; font-family: "Segoe UI Historic", "Segoe UI", Helvetica, Arial, sans-serif; font-size: 14px; margin: 0px; overflow-wrap: break-word; white-space-collapse: preserve;"><div dir="auto" style="font-family: inherit;">- O Sr é o Júlio?</div><div dir="auto" style="font-family: inherit;">- Sou o Mauro.</div><div dir="auto" style="font-family: inherit;">- É que eu estou aqui esperando... O Júlio... </div><div dir="auto" style="font-family: inherit;">- Tudo bem.</div><div dir="auto" style="font-family: inherit;">- Eu chamei pelo aplicativo, o Sr é aplicativo?</div><div dir="auto" style="font-family: inherit;">- Sou taxista, só parei aqui pra escrever uma mensagem, dá licença.</div><div dir="auto" style="font-family: inherit;">- É que o carro que eu chamei... Acho que está perdido, sabe?</div><div dir="auto" style="font-family: inherit;">- Amigo, eu estou tentando escrever uma mensagem aqui.</div><div dir="auto" style="font-family: inherit;">- O aplicativo marcava 3 minutos, agora 7 minutos, acho que o tal de Júlio está perdido.</div><div dir="auto" style="font-family: inherit;">- Sei.</div><div dir="auto" style="font-family: inherit;">- Desculpe lhe atrapalhar, seu táxi está livre?</div><div dir="auto" style="font-family: inherit;">- Só um minuto, estou terminando de escrever.</div><div dir="auto" style="font-family: inherit;">- Onze minutos, agora, o aplicativo se perdeu.</div><div dir="auto" style="font-family: inherit;">- O Júlio?</div><div dir="auto" style="font-family: inherit;">- É que eu estou atrasado, sabe?</div><div dir="auto" style="font-family: inherit;">- Pronto, terminei aqui. O Sr deseja algo?</div><div dir="auto" style="font-family: inherit;">- Ir para a rodoviária, tenho horário, o aplicativo... Tá perdido...</div><div dir="auto" style="font-family: inherit;">- O Júlio?</div><div dir="auto" style="font-family: inherit;">- Eu cancelo o Júlio, o Sr me leva?</div><div dir="auto" style="font-family: inherit;">- É isso o que eu faço, transporto as pessoas.</div><div dir="auto" style="font-family: inherit;">- O Sr faz pelo preço do aplicativo?</div><div dir="auto" style="font-family: inherit;">- Quanto estão lhe cobrando pelo aplicativo?</div><div dir="auto" style="font-family: inherit;">- R$18.</div></div><div class="x11i5rnm xat24cr x1mh8g0r x1vvkbs xtlvy1s x126k92a" style="background-color: white; color: #050505; font-family: "Segoe UI Historic", "Segoe UI", Helvetica, Arial, sans-serif; font-size: 14px; margin: 0.5em 0px 0px; overflow-wrap: break-word; white-space-collapse: preserve;"><div dir="auto" style="font-family: inherit;">Levei o cidadão até a rodoviária. Cobrei os dezoito. Pelo taxímetro não daria quinze.</div></div>Mauro Castrohttp://www.blogger.com/profile/14231862112751509661noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4482045825112399141.post-81166971355444950722024-01-03T17:25:00.001-03:002024-01-03T17:25:34.040-03:00<div>Quando a vi aproximando-se do meu táxi, pensei, preconceituoso, que me pediria dinheiro. Não. Perguntou quanto custaria uma corrida até o alto do morro Santa Teresa. Dei o valor, ela arredondou pra cima. Beleza. Explicou que, no mês passado, foi assaltada na subida do morro, levaram toda a sua aposentadoria. Passou o natal com dificuldades. Estava pagando o táxi por segurança.</div><div><br></div><div>Enquanto subíamos, descobriu o meu livro no expositor. Expliquei que eu era o autor. Ficou maravilhada. Disse que adorava ler. Se eu fizesse um desconto, compraria. Levou de graça. Brinde da casa!</div><div><br></div><div>No alto do morro, ponderou que eu poderia deixá-la na entrada da vila. Não precisava descer. Sabia que os taxistas não costumam entrar. Imagina, faço questão. Fui até a boca da sua viela, a poucos metros de casa. Cem por cento segura. Pedi uma foto. Dona Cleusa, generosa, aceitou posar com o livro. </div><div><br></div><div>Mais uma leitora conquistada.<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/a/AVvXsEiS3wJi2zSWLl0o1JiC3qOvREMW2H6um_mtldxxJj1nwcsDkhTKM6pUTq0EsU0LqrV4wYW3GPX9TsXOGa4DwPkrMMpWT3XCQJXE2hYUxD6jAzs8ZukgXNpePD69xo8306-zdTZoqMYC51rR0r57c_DnyyVCMooKMDixyXsVLLliY2JesUHGRV1v8nl9Ckk" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;">
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</a>
</div></div>Mauro Castrohttp://www.blogger.com/profile/14231862112751509661noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4482045825112399141.post-71979013440489646732023-09-30T23:19:00.001-03:002023-09-30T23:19:48.392-03:00<div>Parei no número 271 da rua Ala. Vila Bom Jesus. Meu cliente solicitou nesse endereço, mas ele não deve morar ali. Tô ligado. É a ponta de um beco. Meu passageiro deve morar lá pra dentro, onde não entra carro. Por isso o 271 bem grande escrito a mão na parede do barraco. Aguardo.</div><div><br></div><div>Chuva fina e ventania. A manhã ainda não clareou. Surge no fundo do beco um casal bem jovem. Ela vestindo um chambre apeluciado e uma toalha na cabeça. Ele de bermudas, chinelo e uma ponta de cigarro "artesanal" na boca. Trazem com eles 4 crianças. Quatro. Meus clientes. Valei-me Deus.</div><div><br></div><div>O rapaz embarca com a criançada — o cigarro de maconha já apagado, só o retrocheiro no ar. A mulher fica. Meu passageiro deixa uma criança menor numa creche pública. Mais adiante, deixa os outros 3 filhos num colégio público. Criançada tossindo, nariz escorrendo, o clima gaúcho é cruel. Despachada a piazada, tocamos pro Menino Deus.</div><div><br></div><div>Já com o baseado mocozado no bolso, meu cliente relaxa. Queixa-se da vida. Está cansado. Conta que trabalha na construção civil, é gesseiro, fala com orgulho da profissão. Diz que é fim de mês, hoje vai receber e vai direto pro supermercado, encher as latinhas do barraco, comprar fraldas, que a chuva não dá trégua e não tem roupa que chegue pra vestir os bacuris. Bah. </div><div><br></div><div>No fim da corrida, ainda deixou uma gorja e um sorriso largo. Vai matar o cigarrinho com os colegas no canto da obra antes de subir pros andaimes. Típico trabalhador brasileiro. Tem meu respeito.</div><div><br></div><div>Quanto a mim, é baixar a cabeça, trabalhar e parar de reclamar da goteira que apareceu lá em casa com a chuvarada. Eita setembro que não vai deixar saudade.</div>Mauro Castrohttp://www.blogger.com/profile/14231862112751509661noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4482045825112399141.post-24543295622801033212023-09-19T19:15:00.001-03:002023-09-19T19:15:16.449-03:00<p> <span style="background-color: white; color: #050505; font-family: inherit; font-size: 14px; white-space-collapse: preserve;">Largando uma senhorinha no fundo da Maria Degolada, desci o que pude na vila, pra ela não se molhar muito. Um dilúvio desabando, o dia virou noite, um horror. A tiazinha pagou a corrida e sumiu na escuridão da quebrada. Eu manobrando o táxi, só pensando em sair dali, a chuvarada transbordando os arroios, os postes tortos ameaçando cair com o vento, granizo, zona de alta periculosidade... Foi quando surgiu de um beco um magrão fazendo sinal pra mim. Meio encolhido, </span><span style="background-color: white; color: #050505; font-family: inherit; font-size: 14px; white-space-collapse: preserve;"><a style="color: #385898; cursor: pointer; font-family: inherit;" tabindex="-1"></a></span><span style="background-color: white; color: #050505; font-family: inherit; font-size: 14px; white-space-collapse: preserve;">protegendo-se da chuva guasqueada, do vento, um magrão volumoso, esquisito, mal iluminado pelos faróis do táxi. Impossível vizualizar direito. Eu ainda meio trancado na ruela da Degolada, não podendo nem acelerar pra fazer de conta que não vi o boneco. Bah, vou ser assaltado, alguma coisa me disse. Ferrou. O magrão mal vestido, bermuda, um pinto de molhado... Destravei a porta. Fazer o que. Assaltado, certo.</span></p><div class="x11i5rnm xat24cr x1mh8g0r x1vvkbs xtlvy1s x126k92a" style="background-color: white; color: #050505; font-family: "Segoe UI Historic", "Segoe UI", Helvetica, Arial, sans-serif; font-size: 14px; margin: 0.5em 0px 0px; overflow-wrap: break-word; white-space-collapse: preserve;"><div dir="auto" style="font-family: inherit;">Ele embarcou se espanejando, desculpando-se por molhar todo o táxi. Tudo bem. Pediu que o levasse até a Bonja, vila Bom Jesus. Eita, outra zona complicada, ferrou. Juro que fiz as contas dos assaltados. Pelas minhas contas, já mais de 5 anos do último atraque. Nenhum taxista sobrevive tanto tempo sem perder pros vagabundos. Ferrou.</div></div><div class="x11i5rnm xat24cr x1mh8g0r x1vvkbs xtlvy1s x126k92a" style="background-color: white; color: #050505; font-family: "Segoe UI Historic", "Segoe UI", Helvetica, Arial, sans-serif; font-size: 14px; margin: 0.5em 0px 0px; overflow-wrap: break-word; white-space-collapse: preserve;"><div dir="auto" style="font-family: inherit;">Vamo lá. Limpador de parabrisa no máximo, dobra aqui, cuida os alagamentos, cruza com cuidado. O magrão meio quieto, dei um jeito de puxar assunto. E essa chuva, hein? Aproveitei pra filmar o maluco pelo retrovisor. Se ele vai me assaltar, quero ver bem o 3x4 do cara. Foi aí que eu vi os brincos. Dois brincos. Um em cada orelha! Rapaz, foi nesse exato momento que eu percebi que estava tudo bem. Meu espírito se desarmou. Um cara que usa brinco, dois brincos, é um cara do bem. Tem que ser. E não deu outra.</div></div><div class="x11i5rnm xat24cr x1mh8g0r x1vvkbs xtlvy1s x126k92a" style="background-color: white; color: #050505; font-family: "Segoe UI Historic", "Segoe UI", Helvetica, Arial, sans-serif; font-size: 14px; margin: 0.5em 0px 0px; overflow-wrap: break-word; white-space-collapse: preserve;"><div dir="auto" style="font-family: inherit;">Engatamos uma conversa. O magrão é colorado doente. Fechou. Torcida organizada. Disse que a irmã dele joga no time feminino do Inter. A guria é promessa. Vai estourar nos profissionais. O cara é encarregado de estoque em um grande supermercado, super gente-boa, descontraiu geral o ambiente no táxi. Até a chuva amainou. Bah, e eu pensando mal do magrão. Tri preconceituoso, é foda. Só porque o cara é pobre, só porque tá na perifa. Preconceito. </div></div><div class="x11i5rnm xat24cr x1mh8g0r x1vvkbs xtlvy1s x126k92a" style="background-color: white; color: #050505; font-family: "Segoe UI Historic", "Segoe UI", Helvetica, Arial, sans-serif; font-size: 14px; margin: 0.5em 0px 0px; overflow-wrap: break-word; white-space-collapse: preserve;"><div dir="auto" style="font-family: inherit;">Baixamos na Bonja, pros lado do mato Sampaio, desce aqui, entra ali. Tudo meio alagado. Pode descer, não dá nada. Bequinho apertado. Tem espaço pra manobrar lá no fundo? Aqui mora minha irmã, a que joga bola. Ah, tá. Desce mais embaixo. Bah, não tem saída. Só mais um pouco, a chuva recomeçando, o táxi meio que atolando. Tá bom aqui. O magrão foi curto e grosso:</div></div><div class="x11i5rnm xat24cr x1mh8g0r x1vvkbs xtlvy1s x126k92a" style="background-color: white; color: #050505; font-family: "Segoe UI Historic", "Segoe UI", Helvetica, Arial, sans-serif; font-size: 14px; margin: 0.5em 0px 0px; overflow-wrap: break-word; white-space-collapse: preserve;"><div dir="auto" style="font-family: inherit;">— Não quero nem o teu dinheiro, motora. Fica com esse troco de merd∆ pra continuar trabalhando. Passa só esse teu celular bacana, aí. Preciso dele pra pagar umas dividas. Vou descer, entrar naquele beco e tu vai vazar. De ré. Mas VAZA! Não olha pra trás. Some daqui se não eu te furo, taxista filho da put∆!</div></div><div class="x11i5rnm xat24cr x1mh8g0r x1vvkbs xtlvy1s x126k92a" style="background-color: white; color: #050505; font-family: "Segoe UI Historic", "Segoe UI", Helvetica, Arial, sans-serif; font-size: 14px; margin: 0.5em 0px 0px; overflow-wrap: break-word; white-space-collapse: preserve;"><div dir="auto" style="font-family: inherit;">Depois de 5 anos, perdi. Recomeçando a contagem. Estamos trabalhando a zero dias sem assaltado.</div></div>Mauro Castrohttp://www.blogger.com/profile/14231862112751509661noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4482045825112399141.post-50409334899792576642023-07-29T10:39:00.001-03:002023-07-29T10:39:53.166-03:00<div>Quando subo o Morro Santa Teresa, costumo parar no pontinho que tem na esquina da rua Rádio e Tv Gaúcha. A clientela ali é a seguinte. Da direita vem o pessoal que está saindo da RBS TV (já peguei o Fito Páez saindo dali!). Da esquerda vem o pessoal que sai da Vila Buraco Quente — por vezes, uma galera de reputação duvidosa. Bom, nem tudo são Mariposas Tecnicolors. Parei ali.</div><div><br></div><div>Veio um maluco da esquerda, respingou da quebrada, calça arreada, moleton meio encardido. Chegou na porta do táxi perguntando se eu o levaria até o Centro da cidade (passageiro normal não pergunta, abre a porta, senta e deu). O cara tinha uma cicatriz que lhe cortava o rosto de cima abaixo cruzando sobre o olho esquerdo. Vixe. Vamo lá, mano. Até prova em contrário, o cara é só alguém precisando de um táxi.</div><div><br></div><div>Destino: Voluntários da Pátria, altura do Camelódromo. O olho do furacão. O magrão confessou que era peão de obra, que tava saindo com o salário da semana pra meter o Loko. Pegou uma "substância" na Vila, pra levar pra uma garota que faz programas no Centro, que atende ele, digamos, mais a fundo quando embalada por um bagulho. Se é que me entendem.</div><div><br></div><div>Pagamento em espécie, arredondou pra cima, tudo certo, tamo junto, quem sou eu pra julgar. Divirta-se, é sexta-feira, a vida é curta e o dinheiro foi feito pra gastar. Taxímetro no livre, vamo pra próxima.</div>Mauro Castrohttp://www.blogger.com/profile/14231862112751509661noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4482045825112399141.post-64548083909808806272023-07-08T14:50:00.001-03:002023-07-08T14:50:20.466-03:00<div>Sabe aquele idoso classudo, bem vestido, chapéu de feltro, óculos casco de tartaruga, valise de couro. Dava gosto de ver. Sentou no banco traseiro do meu táxi, feito um lorde. Destino: Teatro São Pedro. Cruzou as pernas e abriu um jornal. Um jornal, cara! Jornal de papel! É muita chinfra, deu vontade de fazer uma foto até. Cá comigo eu pensei: taí um tiozinho que compraria um livro.</div><div><br></div><div>No primeiro semáforo, chamei a atenção para o expositor a sua frente que continha 2 exemplares do TAXITRAMAS. Ele baixou o jornal, mirou a capa por alguns segundos e me parabenizou. Beleza. Sinal verde, vambora. Silêncio pelo resto da corrida. Só quando chegamos, percebi que meu cliente havia trocado o jornal pelo meu livro. Leu por toda a corrida. </div><div><br></div><div>— Muito bom. O senhor escreve bem. Texto fluido, certeiro, digno dos melhores cronistas.</div><div>— Opa, obrigado!</div><div><br></div><div>Meu passageiro perguntou o valor da corrida, arredondou pra cima e mandou descontar mais dois exemplar do meu livro. Autógrafo para ele e para uma amiga. Disse que trabalhou a vida toda com as letras. Foi "titular" de literatura por muitos anos na UFRGS, depois lecionou língua portuguesa em uma universidade na França, voltou ao Brasil e fundou o curso de letras na universidade de Caxias do Sul. Bah. Taí um leitor de respeito. Ele garantiu que me daria notícias. Conferiu meus contatos na folha de rosto do livro e se foi com seu ar aristocrático. Pontual para o chá da 5 no Foyer Nobre do Theatro São Pedro.</div><div><br></div><div>Pensando que preciso providenciar uma edição com capa dura e menos palavrões.</div>Mauro Castrohttp://www.blogger.com/profile/14231862112751509661noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4482045825112399141.post-75273802520732559132023-06-28T09:13:00.002-03:002023-06-28T09:17:36.162-03:00<div>Senhorinha bem idosa embarca pela porta da frente e pede que eu lhe ajude com o cinto de segurança.</div><div><br></div><div>— O senhor conduza o auto com cuidado, por favor, vá devagar que estou em estado interessante.</div><div>— Interessante?</div><div>— Sim, taxista, estou de 9 meses, praticamente. O senhor não vai querer que a criança nasça no seu táxi, não é?</div><div>— A senhora está grávida?</div><div>— O senhor nem imagina, foi um acidente, um caso rápido, com um jogador de futebol, casado, ainda por cima. Minha família não aceita! </div><div>— Um jogador de futebol, não diga?</div><div>— Pois é, o Botafogo veio jogar na Baixada, acabei conhecendo o Heleno, saímos, matinê no Cine Capitólio, chá na Confeitaria Rocco, um turbilhão de paixão, acabei sucumbindo ao charme do homem... Aconteceu, fazer o quê?</div><div>— A senhora...</div><div>— Senhorita.</div><div>— Desculpe. A senhorita teve um Caso com o jogador Heleno de Freitas?</div><div><br></div><div>Nesse ponto chegamos ao endereço que ela tinha indicado (um residencial geriátrico). Desliguei o táxi para ouvir o resto da história.</div><div><br></div><div>— Que homem, que elegância, a Gomalina no cabelo, a altivez em campo, eu, uma moça ingênua, impulsiva, o senhor sabe como é...</div><div>— Agora a senhora está grávida.</div><div>— Estou morando nesta pensão, meu pai me expulsou de casa, mas estou no curso de Corte e Costura, vou trabalhar, dar um jeito de criar essa criança que não tem culpa de nada.</div><div>— E o Heleno?</div><div>— O senhor não leu o Correio do Povo de ontem? Ele foi vendido, vai jogar na Argentina, o canalha, por certo nem lembra que eu existo, que me fez mal.</div><div>— Mas a senhora, digo, senhorita ainda pensa nele.</div><div>— Sou uma tola apaixonada, taxista.</div><div>— Entendo.</div><div><br></div><div>Uma das enfermeiras da geriatria veio ajudar a idosa a desembarcar. Repreendeu-a por ter escapado de novo, por ter saído sozinha. Ela não deu bola, foi-se com seu passinho curto, segurando a barriga, como se o passado lhe pesasse no ventre.</div>Mauro Castrohttp://www.blogger.com/profile/14231862112751509661noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-4482045825112399141.post-14217279332542049462023-06-25T14:02:00.002-03:002023-06-25T14:02:28.830-03:00<p> <span style="background-color: white; color: #050505; font-family: "Segoe UI Historic", "Segoe UI", Helvetica, Arial, sans-serif; font-size: 14px; white-space-collapse: preserve;">Seu Rosauro não me segue no Face, nem no Insta, nem no site, o negócio dele (louvemos!) é presencial. Me viu num ponto, lá no Centro, bateu no vidro do táxi, perguntou se eu não era o taxista que escrevia no jornal — bah, década passada. Eu mesmo! Trocamos uma ideia, celebramos o encontro, a magia da escrita resistiu ao tempo, nos reconectou.</span></p><div dir="auto" style="background-color: white; color: #050505; font-family: "Segoe UI Historic", "Segoe UI", Helvetica, Arial, sans-serif; font-size: 14px; white-space-collapse: preserve;">A vida é o que acontece enquanto você admira essa selfie.<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEh6yEDli14UBxjdVersmgcB-WzHPLR-lxW9ERaGR4ThoUO_FfRuRMliFDzG7E8fVhJdwJDrw0h04W44cB7BGKpoX3QEj9edTl1igznRtjhSM7e2QRT_qp3i8gs_gBwF4Mu-dtWY13ezewIZ3dJq6_5rrJdUnyt_fWX47fF7PGYedrK_PNgjk1kOhM0fxKk/s2048/346643083_820380252760055_7454026919414206086_n.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="2048" data-original-width="1517" height="400" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEh6yEDli14UBxjdVersmgcB-WzHPLR-lxW9ERaGR4ThoUO_FfRuRMliFDzG7E8fVhJdwJDrw0h04W44cB7BGKpoX3QEj9edTl1igznRtjhSM7e2QRT_qp3i8gs_gBwF4Mu-dtWY13ezewIZ3dJq6_5rrJdUnyt_fWX47fF7PGYedrK_PNgjk1kOhM0fxKk/w296-h400/346643083_820380252760055_7454026919414206086_n.jpg" width="296" /></a></div><br /></div>Mauro Castrohttp://www.blogger.com/profile/14231862112751509661noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-4482045825112399141.post-62015993223238418652023-06-18T07:08:00.000-03:002023-06-18T07:09:01.307-03:00<div>Sabe aquela passageira que embarca no teu táxi, você apresenta seu livro e ela diz "pena que não tenho dinheiro"? Mas você alcança o livro mesmo assim, ela dá uma folhada, uma risada aqui e ali, a corrida passando, ela lendo, "uau, isso aconteceu mesmo?", outra risada... Então você, ao volante do táxi, ouve o barulho do zíper da bolsa abrindo ziiipe. Uns breves segundos depois, o comentário:</div><div><br></div><div>— tenho dinheiro suficiente. Vou levar o livro.</div><div><br></div><div>Você não sabe. Não é taxista nem vende livros. Mas eu posso afirmar. Aconteceu há pouco.<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/a/AVvXsEi5U9cPvSFn6cvVyv9lIm3GNushLhGikil-OD7ffNa9xo8sMjII5UqUNz2o6NdxXPJfeBMzB_Eh7gmJUPIHCeKdchQXe4sdCjg9nVYSARcy0qKCPRnICuQIOYrwelFYZhJzKD4VIOzRNYm8-j0nngsIWD9UyueggxhSzgKiWk1dzE3ie8JAJZCwuGWk" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;">
<img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/a/AVvXsEi5U9cPvSFn6cvVyv9lIm3GNushLhGikil-OD7ffNa9xo8sMjII5UqUNz2o6NdxXPJfeBMzB_Eh7gmJUPIHCeKdchQXe4sdCjg9nVYSARcy0qKCPRnICuQIOYrwelFYZhJzKD4VIOzRNYm8-j0nngsIWD9UyueggxhSzgKiWk1dzE3ie8JAJZCwuGWk" width="400">
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</div></div>Mauro Castrohttp://www.blogger.com/profile/14231862112751509661noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-4482045825112399141.post-42956589342031700732023-06-08T14:10:00.001-03:002023-06-08T14:10:14.661-03:00<div>Manhã de chuva forte, Dilúvio transbordando, trânsito nervoso, sangue nos olhos dos motoristas, urgência, aspereza. "Nosso lado animal, vez em quando, precisa tomar sol".</div><div><br></div><div>Pelo meu táxi já passou um músico, um militar, uma maquiadora e um engenheiro português - a diversidade em movimento. Tentando se manter alheio ao caos.</div>Mauro Castrohttp://www.blogger.com/profile/14231862112751509661noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4482045825112399141.post-42282327891882605422023-06-06T08:38:00.001-03:002023-06-06T08:38:07.754-03:00Dedo<div>— E agora, mãe, sem internet, como vamos conseguir transporte?</div><div>— Usando o dedo.</div><div>— Dedo? É tipo um app?</div><div>— Veja, meu filho, a gente levanta o dedo assim e um táxi pára.</div><div>— Táxi??</div><div>— Olha aí, parou, isto é um táxi.</div><div>— Uau! Como é que isso funciona?</div><div>— O dedo levantado aciona uma espécie de rede, gera um algoritmo, digamos assim, e a cidade passa a lhe enviar táxis.</div><div>— Táxi! Maneiro! O que é aquilo em cima do painel?</div><div>— É um taxímetro, meu filho, um taxímetro.</div><div>— E onde a gente digita o destino?</div><div>— Basta falar para o taxista, ele conhece a cidade.</div><div>— Ele tem tipo um Google Maps na cabeça?</div><div>— Taxista, nos leve até a biblioteca pública.</div><div>— Biblioteca, mãe? O que é biblioteca?</div><div>— Um lugar onde você vai fazer o seu trabalho escolar sem internet.</div><div>— Jura?? Sem internet! Que da hora!!</div>Mauro Castrohttp://www.blogger.com/profile/14231862112751509661noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-4482045825112399141.post-72426120649192361792023-06-05T17:43:00.001-03:002023-06-05T17:43:15.364-03:00<div>Em frente a uma loja de materiais de construção, um casal faz sinal pro meu táxi. Paro. A mulher tem uma nota fiscal na mão. Ela chega na janela:</div><div><br></div><div>— O senhor faz uma corridinha até a Vila Cruzeiro?</div><div>— Claro.</div><div>— O senhor pode encostar de ré ali no depósito.</div><div>— Depósito?</div><div>— Sim, temos que levar um 'materialzinho'.</div><div>— O que seria, senhora?</div><div>— Dois sacos de cimento, vinte quilos de areia grossa, seis metros de lajota e outras miudezas. Tem uma escada 10 degraus, mas a gente leva ela pelo lado de fora do táxi, eu e meu marido vamos segurando... O senhor passa cartão, né?</div><div>— Bah, lamento, minha maquininha pifou.</div>Mauro Castrohttp://www.blogger.com/profile/14231862112751509661noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4482045825112399141.post-24325869345194448042023-06-04T08:54:00.001-03:002023-06-04T08:54:58.283-03:00A noiva Ipiranga, com João Pessoa, sentido bairro/centro, vou chegando no sinal fechado e noto a noiva. Uma noiva, ela está sentada no meio-fio! As pernas na via, sobre o asfalto. As pernas abertas, os cotovelos pousados nos joelhos e a cabeça baixa. Vou parando o táxi, na faixa central da Ipiranga, reparando melhor na figura extraordinária. Uma noiva, não há dúvidas. Ela está com alguma coisa na mão, um negócio branco, meio rígido, algo como... Aquelas golas que os padres usam. Poderia jurar que é uma gola de padre! <div><br></div><div>É domingo, cedo da manhã, meio de feriado de carnaval. A avenida vazia. Só eu e a noiva naquela esquina. Penso que poderia ser uma fantasia, uma foliona de ressaca, mas não. Está ali uma noiva autêntica, sou capaz de apostar. A maquiagem borrada foi feita com esmero, delicada, o vestido caro, por certo, apesar de sujo agora, é um vestido preparado para uma cerimônia de casamento. A cabeça baixa ostenta o que sobrou de uma tiara de flores delicadas. Uma noiva.</div><div><br></div><div>Ela parece perceber que há um carro parado no sinal,que está sendo observada, ergue a cabeça, os olhos borrados de rímel. A noiva me faz um sinal com a mão que está livre — ela me pergunta com um gesto, aquele típico gesto de quem leva e traz um cigarro à boca. A noiva me pergunta se tenho um cigarro! Meu Deus, como eu queria ter um cigarro, uma carteira inteira de cigarros para alcançar àquela mulher. Aproveitar a intimidade de quem troca algumas tragadas para saber o que a trouxe até aquela esquina, o que a deixou naquele estado. Mas tudo o que eu tenho no porta-luvas do táxi é uma banana, uma maldita banana para comer no meio da manhã. Não ouso oferecer. Penso em perguntar se precisa de transporte (poderia levá-la de graça aonde fosse em troca da sua história!). Ela percebe que não tenho o cigarro e volta a baixar a cabeça. Volta a prescutar o chão com a gola do padre, a brincar com algum tipo de formiga, no asfalto.</div><div><br></div><div>O sinal abre. Verde. É manhã de domingo, o feriadão esvaziou a cidade, eu poderia ficar ali por mais dois ou três ciclos do semáforo, mas sinto que devo partir. Não tenho nada a ver com a triste condição daquela noiva, nem um cigarro para lhe oferecer eu tenho. Melhor seguir em frente. Pelo retrovisor ainda observo a figura exótica, cotovelos nos joelhos, pernas abertas, o vestido magnífico brilhando ao sol da manhã, a cabeça baixa, o rosto enfiado no chão, catando formigas com a gola de um padre como se o mundo não existisse. Sigo pela avenida deserta na manhã de domingo. Hei de encontrar alguém que precise de táxi, afinal, é pra isso que saio de casa todos os dias.</div>Mauro Castrohttp://www.blogger.com/profile/14231862112751509661noreply@blogger.com4tag:blogger.com,1999:blog-4482045825112399141.post-22296161552544578232023-05-31T11:36:00.001-03:002023-05-31T11:36:04.932-03:00Finalera do dia, eu já louco pra pegar alguma corrida pro lado de casa, o trânsito enlouquecendo, chega uma passageira no Ponto. Ela pergunta quanto cobro para levá-la até a Restinga. Eita! Longe pra dedéu! O taxímetro que manda, amiga, mas ela queria uma estimativa. Preço fechado. Bom... Digamos 50 pilas, pra senhora (um bebê de colo, mais duas crianças pela mão). Bah, a mulher enlouqueceu:<div><br></div><div>— Tá loko! Bem capaz! Por isso que vcs tão aí parado, o Uber leva por R$25, porque eu já fui várias vezes, vinte e oito no máximo, que isso!! biriri, biriri...</div><div><br></div><div>Eu encostado no táxi estava, encostado no táxi fiquei. Ela saiu com as crianças pela mão, digitando furiosamente o celular, chamando Uber, 99, indrive e o escambau. Eu pensei: Ótimo, vai economizar uma grana indo de aplicativo.</div><div><br></div><div>Enquanto a mulher esperneava no smartphone, ia perguntando aos colegas, na fila de táxis, quanto cobrariam pela corrida até a Restinga. Até que, por fim, parece ter encontrado um app barato. Ficou esperando ao lado dos táxis. Gloriosa. Mandando um olhar de desprezo pra fila de taquinhos. Em seguida, apontou um Prisma modelo século passado, o para-choque desbeiçado, a lataria torta. A mulher levantou o celular, mostrando que era ela a passageira. O carro, então, acelerou e se foi. Cancelou.</div><div><br></div><div>A mulher voltou até meu táxi. Pediu desconto. Expliquei que a corrida, pelo taxímetro, ficaria além dos sessenta. Ela concordou, sabia o valor. As crianças cansadas, ela cansada, os aplicativos cobrando na casa dos 3 dígitos, moto-taxi não dava, ônibus lotados.... Fechamos nos 50 pilas.</div><div><br></div><div>Notando o Spotify, a mulher perguntou se poderia escolher um som. Só pedir. Seleção Raça Negra na veia! Eu tinha comprado dois mandolates na sinaleira. Dei pros moleques que pareciam com fome. O bebê de colo pegou uma teta e vamo que vamo. Logo a criançada ferrou no sono, até a mãe dormitando. </div><div><br></div><div>Fomos além da Restinga, muito além, quase Lomba do Pinheiro, Minha Casa Minha Vida, extremo sul da cidade. Tudo bem. Ainda ajudei com uma das crianças que não queria acordar. Dei um colo até a portaria. Tudo incluído nos 50tåo!</div><div><br></div><div>O sol se pondo além dos Morros da Agronomia e eu descendo em direção à casinha. Ao fundo, como quem me consola, Raça Negra mandando o recado aos passageiros que voltam a usar o velho e bom táxi: Hoje é você quem está sofrendo, amor/Hoje sou eu quem não te quer...</div>Mauro Castrohttp://www.blogger.com/profile/14231862112751509661noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4482045825112399141.post-85026480578272953182023-05-27T21:24:00.001-03:002023-05-27T21:24:36.742-03:00<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
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</div>Mauro Castrohttp://www.blogger.com/profile/14231862112751509661noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4482045825112399141.post-33692968985055912672023-05-23T13:45:00.002-03:002023-06-05T17:43:50.172-03:00<div>Se por acaso acontecesse, numa hipótese bem hipotética mesmo, super nada a ver, impensável, coisa da minha cabeça, digamos que eu fosse limpar os tapetes do táxi no fim do dia e encontrasse, numa eventualidade impensável, absurda, imagina, mas acontecesse de eu encontrar entre os bancos do meu táxi uma ARMA (numeração raspada), que alguém, algum passageiro esqueceu/deixou/perdeu/desovou, se acontecesse, veja bem, imaginando isso, tô um pouco nervoso aqui, respirando, respirando, o tambor carregado, duas cápsulas deflagradas, ainda o cheiro de pólvora, se por acaso acontecesse, o que eu deveria fazer? A quem eu deveria (ou não) procurar?</div><div>Só uma pergunta.<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
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</div></div>Mauro Castrohttp://www.blogger.com/profile/14231862112751509661noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-4482045825112399141.post-30411526640329299512023-05-15T14:02:00.001-03:002023-05-15T14:02:49.758-03:00<div>Porto Alegre subitamente mais leve hoje cedo. Motoristas De aplicativo param em protesto (Uber tremendo de medo). Sem o enxame de carros particulares, cada um transportando uma pessoa, o trânsito areja. Avenidas fluindo, transporte coletivo e táxis voltando a fazerem sentido. Mas isso não foi o mais curioso desta manhã sem Uber. O mais estranho foi ver o cidadão desacostumado com o táxi:</div><div><br></div><div>Primeiro desafio: redescobrir os pontos de táxi ao redor da sua casa. Google, até aí tudo bem. Depois descobrir que precisa ligar para um telefone FIXO! Sim. Descobrir que precisa fazer uma ligação de VOZ! Sim. De voz, travar um diálogo com o outro lado da LINHA. Perguntas e respostas, aquela forma antiga de se comunicar AO VIVO, com um interlocutor presencial. Descobrir que o taxista conhece seu endereço sem enviar a localização. Olha! Passado esse primeiro "sufoco", conseguido o transporte, é hora de embarcar.</div><div><br></div><div>Primeiro o passageiro entra no táxi digitando no celular e digitando continua. Nem bom dia. Acomoda-se no banco traseiro e espera. O taxista precisa perguntar pra onde ele quer ser transportado. Precisa FALAR com o motorista. Certo. Indicado o destino, finalmente o cliente pode voltar ao seu ambiente seguro: o celular. Mas ele estranha o silêncio, não há uma voz robótica de GPS indicando o caminho. Não HÁ UM GPS?? O taxista conhece o local de destino, conhece a cidade. No lugar da voz do Waze, uma musiquinha no volume mínimo. Marisa Monte. Aos poucos, as diferenças vão chamando o cliente à realidade. A gola do motorista, ele não usa camiseta (regata, nem pensar), camisa com gola, a falta de um boné, a falta de odores desagradáveis, cheiro de GNV vazando, o carro LIMPO! O passageiro passa a mão pelo estofamento: não está manchado. É um carro do ano, se bobear tem até porta-malas. Porta-malas, veja só! O carro flui pela avenida Ipiranga enquanto os demais veículos estão parados. O táxi pode usar a faixa exclusiva para ônibus, o taxista informa. A viagem dá-se na metade do tempo.</div><div><br></div><div>Chegando ao destino, o passageiro tenta desembarcar. A porta está travada. Oi? O motorista (taxista, no caso), informa que ele precisa pagar pelo serviço. Mostra, inclusive, o taxímetro sobre o painel do carro. Um taxímetro! E aí vem uma última e agradável surpresa. O cliente percebe que o táxi, quem diria, está mais barato que o aplicativo que ele normalmente usa. Com o protesto dos apps, um terço do preço, pra ser exato. Não há DINÂMICA! O taxista mostra o QR code, manda o pix, beleza! O cliente é só sorrisos.</div><div><br></div><div>Mas a alegria dura pouco. Logo o patético protesto dos aplicativos flopa. Dão com os burros n'água, óbvio. E as ruas voltam a inchar, e motoristas voltam a bater cabeça, e a tecnologia reassume o controle, e as big techs da vida cada vez mais ricas, e vamo em frente que atrás não vem ninguém!</div>Mauro Castrohttp://www.blogger.com/profile/14231862112751509661noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4482045825112399141.post-21002862042690355062023-05-15T08:09:00.001-03:002023-05-15T08:09:47.970-03:00entrevista com Cynara Menezes <div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/a/AVvXsEgiUeagDxx4PFr4z-gD8K7qA5K1r9zsYV1D_WTL22zqv5JBPQa5cI7-6m2kVkwJQaTYMLO0JsVyMQEcuGOo5rgEqk1cxvCyMvxnBjsnpFYxC6_RVP4gRa7jQSk_m4CeERA7NBhgVOpQq13IuHZrP3cxSR52qvVZ9RMaFB83a1VniXIyJM8fsvlkdRPo" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;">
<img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/a/AVvXsEgiUeagDxx4PFr4z-gD8K7qA5K1r9zsYV1D_WTL22zqv5JBPQa5cI7-6m2kVkwJQaTYMLO0JsVyMQEcuGOo5rgEqk1cxvCyMvxnBjsnpFYxC6_RVP4gRa7jQSk_m4CeERA7NBhgVOpQq13IuHZrP3cxSR52qvVZ9RMaFB83a1VniXIyJM8fsvlkdRPo" width="400">
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</div><div>https://youtu.be/_OsJNm2KAzE<br></div>Mauro Castrohttp://www.blogger.com/profile/14231862112751509661noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4482045825112399141.post-63524611164558777402023-05-11T18:50:00.001-03:002023-05-11T18:50:09.729-03:00<div>Passageiro cadeirante, ajudo a embarcar, coloco a cadeira no porta-malas. Hospital de Clínicas. Puxo assunto, pra quebrar o gelo:</div><div><br></div><div>— Tenho um amigo que mora nesse seu prédio. O Roberto, um colega escritor.</div><div>— Colega seu? Ele é taxista?</div><div>— Não, não, sou escritor também, o Roberto, seu vizinho, tem livro publicado e tudo. Escritor.</div><div>— Ahh escritor. Roberto... Não sei... Ele trabalha com o quê?</div>Mauro Castrohttp://www.blogger.com/profile/14231862112751509661noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4482045825112399141.post-64864005412725964962023-05-08T09:47:00.002-03:002023-05-09T09:27:05.226-03:00<div>Eu quase chamei a atenção do homem, que o cravo na lapela do seu paletó estava caindo, mas acabei deixando pra lá. Magérrimo, narigão adunco, meio desajeitado. Mais tarde, quando desembarcou do táxi, notei que havia um outro cravo, vermelho como o da lapela, também a ponto de cair do bolso da calça do meu passageiro. Estranho. </div><div><br></div><div>O homem pediu que eu aguardasse, que não desligasse o taxímetro, iria continuar a corrida, precisava pegar um ônibus para Tramandaí que saia às 11hs. Seria questão de minutos, apenas um abraço fraterno na viúva, apresentar as condolências à família, assinar o livro de presença no velório. Retornaria em seguida. Tudo bem. Bateu a porta e subiu as escadas que davam acesso ao cemitério João XXIII, desajeitado, o cravo despencando do bolso. Enfim.</div><div><br></div><div>O homem começou a demorar. O taxímetro batendo, o tempo passando, o ônibus às 11 já era. Comecei a desconfiar. De repente, tudo pareceu meio estranho. Aquele homem cheirando mal, o paletó surrado, o cabelo emplastado... Comecei a achar que tava sofrendo um pênalti. O homem saira pelos fundos do cemitério e eu ali esperando. Já vi esse filme. Cacete! Resolvi conferir o velório.</div><div><br></div><div>O defunto parecia ser importante. A capela cheia, gente saindo pelo ladrão. Fui me esgueirando. Licença, licença. Nada do meu passageiro, nem paletó, nem cabelo engomado. Crescia em mim a sensação de que meu cliente picara a mula. O taxímetro, lá fora, batendo. Fui chegando mais pra dentro, a viúva à beira do caixão. Pensei em perguntar pra ela, sei lá, por um homem com nariz adunco, cabelo emplastado... Não tinha um nome sequer, seria ridículo: a mulher ali, sofrendo sua perda e eu enchendo seu saco. Eu já quase desistindo da busca, já aos pés do caixão, quando notei os cravos. Cravos vermelhos! Me aproximei. O caixão coberto por cravos vermelhos, apenas as mãos entrelaçadas, a parte de cima do paletó pra fora. O narigão! Adunco! O cabelo emplastado!!</div><div><br></div><div>Fiz o sinal da cruz e larguei fincado! Puta merda! O meu cliente estava morto! Desci as escadas do cemitério voando, as pernas bambas. Minha nossa!</div><div><br></div><div>Chegando ao táxi, quem estava parado na porta? Girando a cabeça, procurando por mim? Ele.</div><div><br></div><div>— Aí está o senhor! Vamos lá, estou atrasado, o próximo ônibus pra Tramandaí sai às 12 horas. O senhor está bem, taxista? Parece que viu um fantasma.</div><div><br></div><div>... Continua</div><div>A clínica psiquiátrica diminuiu a medicação, liberou o uso do celular. Posso, enfim, terminar de contar a história. Embarcamos no táxi. Destino rodoviária. Eu ainda impactado com a visão do caixão. O homem sentado às minhas costas, quieto — só o cheiro azedo denunciando sua presença. Meu ritmo cardíaco voltando ao normal, eu criando coragem pra puxar assunto. Na sinaleira da João Pessoa respirei fundo. Resolvi perguntar, afinal, quem era o homem no caixão. Um parente, um irmão gêmeo. Olhei pelo retrovisor, não vi o passageiro. O táxi parado no sinal. Virei-me para encarar o homem atrás de mim, mas já não havia ninguém comigo. O banco traseiro vazio. Apenas dois cravos vermelhos sobre o estofamento</div>Mauro Castrohttp://www.blogger.com/profile/14231862112751509661noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4482045825112399141.post-29532002936124957022023-05-03T07:20:00.001-03:002023-05-03T07:20:56.079-03:00<div>Por muito tempo acompanhei a angústia de minha passageira tentando engravidar. Tratamentos para ovulação, tabelinhas, fertilização in vitro, promessas, novenas, despachos, umbanda, feitiços... Fez de tudo. O taxista, confidente, levando pra lá e pra cá, torcendo por ela. Até que, aparentemente, desistiu. Não se falou mais em gravidez.</div><div><br></div><div>Certo dia, parei em frente à casa dessa passageira e notei algo diferente. Havia uma árvore florida no quintal. Uma pitangueira branquinha de flor. Minha cliente demorando a aparecer, eu já preocupado. Por fim, ela surgiu, pálida. Parecia mal. Acordara enjoada, vomitou o café. Comentei sobre a pitangueira. Ela também havia notado. Espantado-se, na verdade. </div><div>— Essa velha pitangueira nunca deu fruta, hoje amanheceu desse jeito. Vai carregar de pitanga!</div><div>— Huumm...</div><div><br></div><div>Nove meses depois daquela corrida minha passageira deu à luz uma linda menina a quem chama de flor.</div>Mauro Castrohttp://www.blogger.com/profile/14231862112751509661noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4482045825112399141.post-25851282990363217982023-04-30T19:19:00.003-03:002023-04-30T19:19:34.416-03:00<p></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">compre o livro - pix/ZAP/fone 51 999857307</div><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgooE2aTXH5wmRodM4NbB4qgZylri91LCem-nLd96lvjER5f_ByD2dfqS1ajd4dAOVOD179F8stgRJdgoGeKVvO5ZnMrpA1HtTfT85pUsoJ5bVTbk0Tlod1yjcouEkTD7Xkb8QZUsAFrcPHCt-yojilpRZ0eMIGCNJZcL8LwxHT66oCBwzRl5G3ouNz/s1855/CAPAfinal_revisada.png" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="1855" data-original-width="1238" height="640" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgooE2aTXH5wmRodM4NbB4qgZylri91LCem-nLd96lvjER5f_ByD2dfqS1ajd4dAOVOD179F8stgRJdgoGeKVvO5ZnMrpA1HtTfT85pUsoJ5bVTbk0Tlod1yjcouEkTD7Xkb8QZUsAFrcPHCt-yojilpRZ0eMIGCNJZcL8LwxHT66oCBwzRl5G3ouNz/w429-h640/CAPAfinal_revisada.png" width="429" /></a></div><p></p>Mauro Castrohttp://www.blogger.com/profile/14231862112751509661noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4482045825112399141.post-69968430448765905872023-04-28T10:03:00.001-03:002023-04-28T10:03:21.911-03:00<div>Duas mulheres, digamos, acima do peso, embarcam no táxi. Espaçosas, ocupam todo o banco traseiro. Uma delas, a da direita, está com um saco de bolachas aberto, comendo. A outra, a mais obesa, sentada atrás de mim, com um cabelo maravilhoso, tipo black power enorme achatado contra o teto do táxi. Vila Mato Sampaio. Tudo bem, vamo lá.</div><div><br></div><div>As duas eram do tipo "animadas". Falavam pelos cotovelos. O assunto: um certo leite especial, que o filho de uma delas precisa, que está em falta no SUS. A mulher das bolachas (sabe aquelas bolachas água e sal, bem sequinhas?) aos berros, falando mal do SUS, os farelos voando, as migalhas de bolacha ejetadas boca afora. Vixi. Lá pelas tantas, sinto o encosto do meu banco recuando, sendo puxado para trás! Olho pelo retrovisor e a mulher às minhas costas está agarrada ao meu banco, se inclinando pra frente, o rosto quase colado na minha cabeça! Ato contínuo, um cheiro nauseabundo toma conta do táxi. Cacete! </div><div><br></div><div>Um peido!</div><div><br></div><div>Não acredito. A mulher meio que ergueu-se segurando no meu banco pra... Peidar! Pensei em meter a boca na gorda, mas o táxi em movimento, abri os vidros e deixei pra lá, o ambiente arejou-se. Deus é pai. A mulher das bolachas agora falando da vizinha que tá grávida, que ela acha que não é do vizinho, tem o cara da moto que visita a vizinha quando o marido sai e tal e coisa quando meu banco novamente é puxado pra trás. Ah não!! Sim. Não acreditei, aconteceu de novo! Aí fui obrigado a esculachar minha "distinta" cliente. Só um pouquinho, minha amiga! A outra, a das bolachas, rindo da peidona hahahah, farelo pra todo o lado... Ninguém merece!</div><div><br></div><div>— Desculpa, senhor. Estou com gases.</div><div><br></div><div>Subindo pro Mato Sampaio, o clima azedo, a corrida indo pro fim, as mulheres começam a falar de piolhos. A escola das filhas delas com surto de piolhos, as crianças infestadas de piolhos, pente fino no cabelo, larvas de piolhos, piolhos pra cá, piolhos pra lá, piolhos, piolhos, piolhos... Começa a me dar um ruim, a cabeça a coçar, minha meia dúzia de fios de cabelo comichando. Piolhos, piolhos, piolhos, coça, coça, puta que o pariu, o psicológico atuando, as bolachas, os peidos, o vizinho corno, os piolhos... Misericórdia, a corrida parecia não acabar, o Mato Sampaio infinito! </div><div><br></div><div>Chegamos.</div><div><br></div><div>As mulheres desembarcaram, a suspensão do táxi voltou à altura original, o estofamento puro farelo água e sal, mas uma lufada de ar fresco nos altos do Mato Sampaio. Respiro fundo, desligo o taxímetro e parto pra próxima. Não há o que fazer.</div>Mauro Castrohttp://www.blogger.com/profile/14231862112751509661noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4482045825112399141.post-69364949267018311842023-04-26T16:45:00.001-03:002023-04-26T16:45:29.089-03:00<div>Os bailinhos de 3° idade tinham parado na pandemia. Voltaram com tudo. Tenho uma passageira frequentadora desses arrasta-pés vespertinos (das 15 às 19). Levei ela há pouco. Sempre rola aquele convite pra entrar com ela, dançar uma ou duas "marcas", tomar um guaraná. Minha desculpa sempre foi o tênis. Não pode tênis nos bailinhos. </div><div><br></div><div>— Sapatênis tá liberado, Mauro. Tá de sapatênis?</div><div>— Tênis mesmo, no duro.</div><div><br></div><div>Minha cliente é daquelas que não desistem tão fácil. Pediu que eu fechasse o táxi e a acompanhasse até a porta do baile, "pra não chegar sozinha". Bora lá, de braços dados. Era uma cilada. Ela tentou convencer o porteiro a me deixar entrar de tênis! E o pior: o bailinho do Partenon agora tem uma caixa de sapatos na portaria!! Sério! Uma caixa de sapatos! O porteiro perguntou que número eu calçava!</div><div><br></div><div>— Bah, Cleuza, lembrei agora, tenho uma corrida marcada pra rodoviária. Putz, não vai dar mesmo...</div>Mauro Castrohttp://www.blogger.com/profile/14231862112751509661noreply@blogger.com0