sábado, 7 de junho de 2025

Eu era um desenhista mal pago que resolveu tirar onda de taxista. Meados dos anos oitenta do século passado. Meu pai dispunha de um táxi parado. Liberou pra mim. Era um Fiat 147 todo baleado. Serve — aos vinte e poucos anos não medimos muito as consequências. Engatei a primeira marcha e fui à luta.

Quem um dia teve o desprazer de dirigir um 147 sabe que a primeira marcha é a mais fácil. O difícil é achar as outras. A palanca de câmbio é molenga, aciona uns cabos que logo ficam frouxos e as engrenagens do câmbio não se acham mais. As marchas ficam perdidas, arranham, não engatam, para desespero do pobre motorista. 

Mas eu perseverei. Uma corrida, duas, a grana entrando e eu empolgado a bordo do velho 147 laranja. Até que resolvi parar no ponto da Zero Hora, esquina da Ipiranga. Porta aberta esperando o cliente. Veio um cara engravatado, acompanhado de duas garotas lindamente vestidas. Eram rainha e princesas de uma festa qualquer, do interior do estado, que visitavam a redação do jornal, para divulgar seu evento. Acomodaram-se no interior do meu diminuto taxizinho. Bora.

O destino que me deram exigia que eu voltasse pela própria rua Zero Hora ou o caminho seria bem grande. Beleza. Liguei o táxi, virei todo o volante, atravessei na boca da rua para manobrar. Mas quem diz que eu encontrava a marcha a ré? A palanca frouxa, molenga, o câmbio arranhando, força, força, o pé no fundo da embreagem, nada de o carro ir para trás! O carro atravessado fechando a rua! Não demorou a engarrafar, a surgirem as buzinas, o engravatado ao meu lado, angustiado, eu tentando, quanto mais forçava mais a palanca negava sua função! A rainha, as princesas gemendo, temendo pela vida, as buzinas piiii piiiii, paaaa paaaaa, a Ipiranga toda em polvorosa, ônibus, caminhão querendo passar e eu atravessado!

Fosse hoje não haveria de faltar um gaiato filmando com um celular, colocando na rede social: a rainha, as princesas, o engravatado, todo mundo empurrando o maldito Fiat 147 para trás a fim de liberar a rua enquanto eu suava ao volante. Certo que eu estaria viralizando nos Tik Toks da vida... mas eramos todos anônimos naqueles analógicos anos oitenta, onde os memes eram, digamos, presenciais.

Melhor assim.

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