domingo, 10 de junho de 2018

Orgulhava-se de ter sido considerada a vedete com as pernas mais bem torneadas do teatro de revista. Casou-se com um rico empresário gaúcho e veio morar em Porto Alegre. Quando pegou meu táxi, já vivia de lembranças, esquecida em um asilo de luxo da Zona Sul. Inspirada pela claridade azulada do outono gaúcho, acabou desviando a corrida, que inicialmente a levaria para uma consulta médica. Acabamos às margens do oceano Atlântico, praia de Torres, onde minha passageira caminhou por um bom tempo pelas franjas salgadas do mar. A corrida dos sonhos de qualquer taxista, que acabou se repetindo por mais duas vezes. O longo caminho rumo ao litoral, recheado de lembranças teatrais, a esperança na capacidade de cura da água salgada, mas os problemas de circulação piorando, a dificuldade cada vez maior de caminhar.
Hoje, chamaram um táxi no asilo, perguntei à recepcionista pela minha antiga passageira. Soube que morreu há alguns anos, vítima de trombose, as duas pernas amputadas - as pernas que ajudaram a fazer sua fama.
A manhã, que começou límpida, foi aos poucos se acinzentado... É o outono gaúcho, é a vida.
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Eu andava com umas dores de cabeça sérias, bastava virar o pescoço para falar com algum passageiro no banco de trás e pronto: uma cefaléia brava me invadia, as têmporas latejando por dias a fio, não tinha remédio que desse jeito, tentei de tudo - algo a ver com cervical, sei lá. Até que meu pai falou das tais freiras milagrosas. Oi?
Em desespero de causa, resolvi arriscar. Botei meu pai no táxi e partimos em busca do milagre. Trata-se de duas religiosas de origem asiática (Nepal, segundo informaram a meu pai), que teriam chegado ao Brasil no início do século passado, fugindo de alguma guerra em seu país de origem. Depois de uma vida enclausuradas em um convento, as religiosas teriam sido excomungadas da congregação sob acusação de bruxaria - história narrada em tom de mistério por meu pai (de quem devo ter herdado o "dom de iludir") enquanto procurávamos pelo endereço das milagreiras - um casebre isolado onde Judas perdeu as botas, pra lá do Passo Dorneles, num ponto inexato, entre o nada e lugar nenhum. A noite de chuva, gps sem sinal... a busca pela cura não é para fracos.
Pra encurtar a história, que isso aqui é Facebook e estou escrevendo no celular, achamos a tal casa. Paredes encarvoadas, as freiras centenárias, apoiadas em bengalas tortas, fumando grossos charutos e cercadas de gatos. Elas processam uma espécie de caldo de ervas em panelas velhas, aquecidas sobre um fogão à lenha. Deram-me um vidrinho desse caldo, com uma tampa em forma de conta-gotas. A maneira como deve ser administrado o remédio é uma espécie de ritual, que deve ser seguido à risca. Funciona assim, preste atenção:
Antes que o sol nasça (isso é importante), você reza um Ave Maria, um Pai Nosso, faz o sinal da cruz 3 vezes, mentaliza a imagem do Deus de sua preferência (no meu caso o Bob Dylan), pinga uma gota do Caldinho das Freiras sobre um comprimido de Ibuprofeno 600mg e engole.
É tiro e queda.
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Voltando de Ipanema pela beira da praia (menos chance de pegar corrida, mas o visual compensa), na altura do antigo Timbuca, vejo algo que me captura a atenção. Alguém está nadando no Guaíba! Com esse frio! Oito da manhã, marcando dez graus no painel do táxi. Parei pra entender o que estava rolando.
Era um homem, um oriental, japonês, sei lá, ele foi saíndo da água e estava pelado. Pelado!, o homem estava completamente pelado! Ao ver meu táxi, ele me fez sinal, me chamou, como se precisasse de algo. Eu baixei o vidro, ajeitei os óculos: o homem estava tremendo de frio, começou a correr em minha direção, uma cena bizarra (imagina um japonês arrepiado de frio, pelado, correndo em sua direção). Devia ser alguma pegadinha, procurei por câmeras escondidas, mas a praia estava deserta, ninguém além do japonês peladão e meu táxi. Minha deusa!
Ele aproximou-se da janela, todo molhado, pingando, arrepiado, os lábios roxos, tremendo de frio, deu pena do homem. Batendo queixo, o maluco me perguntou quanto daria uma corrida até Higienópolis, na altura do Zaffari. Depende, se formos pela Perimetral... enfim, chutei um valor aproximado. Ele então me perguntou se meu táxi aceitava cartão. Todos menos Banrisul. Foi quando o homem emputeceu, começou a me xingar, o miserável! Indignado por eu não aceitar o maldito cartão Banrisul. Ele batendo boca (é o banco do povo, blá, blá, blá), eu quieto, que se dane.
Depois de me mandar para o quinto dos infernos, a porcaria do japonês girou o corpo e voltou correndo em direção à praia (a bunda branca, nem um pêlo no corpo, imagina). O homem se jogou novamente nas águas geladas do Guaíba e se foi, nadando firme rumo ao horizonte. Acompanhei-o até que a vista não mais identificasse suas braçadas.
PS: sim, o cartão, já ia me esquecendo. Depois de me esfregar o cartão na cara, depois de dar seu patético discurso em defesa do banco público, o japonês voltou a enfiar o cartão (de débito/banricompras) na bunda, entre as nádegas, os glúteos retezados para não perder a tarjeta. Affmaria.
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Desabastecimento
Envolta em seu casaco de pele, minha passageira me alerta que já falta camarão nas prateleiras do Zaffari.
- Gente, que país é esse!?
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AJUDA
Tenho um passageiro chato, que apaixonou-se por uma prostituta de luxo. Acontece que, depois emprestar uma pequena fortuna para a moça fazer uma Lipo, a profissional do sexo passou a fugir do cliente (com razão, o cara é um mala). Tudo o que ele sabe é que ela mora lá para os lados do Sarandi, em uma casa que tem um muro com a pixação "povo com Lula". Ele está gastando uma bela grana no meu táxi, fazendo corridas diárias em busca do tal muro.
Caso alguém identifique essa residência, por favor, peça para que pintem o muro, urgente.
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O homem entrou no meu táxi fedendo a gasolina. Tem gente que gosta mesmo de aparecer.

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