quarta-feira, 16 de novembro de 2016

No banco de trás, a vovó se interessa pelo meu livro.
-- Taxitramas...
-- Sim, histórias aqui do táxi.
-- São coisas que acontecem no táxi?
-- Sim. Sou o autor.
-- Quem é o Autor?
-- Eu. Sou o Mauro Castro.
-- É taxista, o autor?
Nesse ponto, percebi que ela tinha problemas de audição. Comecei a gritar.
-- SIM, SOU EU, O AUTOR, SOU O MAURO!
-- O senhor já leu esse livro?
-- SIM, SOU O AUTOR!!
-- Diário de um taxista...
-- (suspiro)
Nesse ponto, passei a responder por gestos.
-- É pra vender?
-- (Sinal de positivo)
-- Quanto custa?
-- VIN-TE!! (sinal de vitória, dois dedos em "V")
-- Não conheço o autor, Mauro Castro... Será que presta?
-- (sinal de positivo com o dedão e com a cabeça)
-- Deve ter autógrafo na Feira... vou comprar lá.
Desisto.

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Era pra ser só uma corrida até o cemitério, mas meu idoso passageiro ofereceu uma gorja para que eu o acompanhasse até o túmulo da falecida. Foi uma looonga caminhada pelos corredores do São Miguel e Almas, com paradas estratégicas para meu cliente descansar as costas ou para conferir as fotinhos dos muitos conhecidos seus que já descansam em paz.
Tudo ia bem até tentarmos acender as velas para a falecida. O vento de finados dificultava a operação. Tentei proteger o fogo com algumas flores de plástico. Funcionou por um tempo, até que as chamas alcançaram as pétalas e tudo começou a incendiar: vasos, flores, fotos, velas... tentei apagar com o paletó que meu passageiro havia tirado, mas a roupa incendiou também.
O fogo pegando, fumaça preta, meu cliente passando mal, gente acudindo, zelador correndo com balde, maior auê! Em meio a confusão, apareceu até uma freira gritando, suplicando aos céus por ajuda divina. Por sorte as chamas cederam antes de atingir o caixão da falecida.
Voltando pra casa, meu passageiro jazia aniquilado no banco traseiro do táxi. Paletó chamuscado, dentadura quebrada (caiu na confusão), fralda ensopada, olhar perdido atrás do óculos torto. Nada daquilo parecia fazer sentido para ele. Nem para mim. Que fique registrado (Facebook é melhor que cartório) meu desejo de ser cremado. Minhas cinzas jogadas sobre o ponto de táxi. .

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-- Alô, ponto de táxi.
-- A Luciane ou a Cláudia estão?
-- Não, nenhuma das duas, senhora.
-- É que eu prefiro taxista mulher...
-- ...
-- Quem está falando?
-- Mauro.
-- Ah, o escritor! o Sr pode vir então.
-- Mas não sou mulher...
-- Sim, mas lhe conheço, é como se fosse.

Um comentário:

Dalva M. Ferreira disse...

Mauro do ceu! Nao sabia que voce era um taxista transgenico...