domingo, 8 de fevereiro de 2015

O senador e o taxista

Não são poucos os passageiros que me dizem que o táxi é um termômetro do país, que o taxista tem uma noção mais clara do sentimento do povo pois convive com todos os segmentos da população, que as pessoas das mais diversas camadas da sociedade passam pelos bancos dos táxis e deixam ali sua impressão de como andam as coisas. Pode ser.

Por muitos anos, tive como passageiro um calejado correspondente da editoria de política do Jornal do Brasil. O velho repórter vivia com o fone de ouvido ligado nas notícias, diziam que não tirava os fones nem para dormir. Pois quando embarcava em meu táxi, sentava-se ao meu lado e deixava a orelha esquerda livre, aberta à opinião do taxista, mesmo que ela não batesse com suas próprias convicções. Buscava o tal sentimento do povo.

Meu colega Foguinho não cansa de contar a vez em que discutiu sobre política com o então senador da república Paulo Brossard. No interior diminuto de um táxi fusca, as críticas do importante político democrata incomodaram meu colega, que defendia com unhas e dentes a ditadura militar. O clima esquentou a tal ponto que Foguinho parou o táxi e convidou o senador a descer. Não aceitou sequer o pagamento.

Já ouvi Foguinho contar mais de uma vez a história daquele bate-boca, que aconteceu lá pelos anos setenta, auge da repressão política, onde o mundo se dividia simplesmente em direita e esquerda. Já vi meu colega mais arrependido de ter desembarcado o senador do seu táxi. Na última vez em que falei com Foguinho, ele parecia não saber mais no que acreditar.

Admiro quem ainda se entusiasma, debate e até bate boca por posições políticas. O engajamento político é mesmo importante. Mas não me incluo mais entre estes corajosos. Desde que me pague a corrida, o cliente tem sempre razão. Se há um sentimento que o povo me passa no táxi, hoje, é de desencanto, enfaro, parece que ninguém mais se importa.

E assim Renan Calheiros é reeleito presidente do senado pela quarta vez.

5 comentários:

vidacuriosa disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
vidacuriosa disse...

Concordo com tudo e acrescento E Collor, e Sarney, e Maluf, e vários outros. Até o João Alves, aquele que roubou e disse que acertou milhões de vezes na Loteria talvez estivesse mamando também se não tivesse morrido. Estou desiludido neste país sem sentido. Mas nada, nada me faz ter saudade do tempo da ditadura.

vidacuriosa disse...

Concordo com tudo e acrescento E Collor, e Sarney, e Maluf, e vários outros. Até o João Alves, aquele que roubou e disse que acertou milhões de vezes na Loteria talvez estivesse mamando também se não tivesse morrido. Estou desiludido neste país sem sentido. Mas nada, nada me faz ter saudade do tempo da ditadura.

cRiPpLe_rOoStEr a.k.a. Kamikaze disse...

A grande maioria das pessoas de mais idade com quem eu tenho algum contato alega que o regime militar não foi todo aquele bicho de sete cabeças que se propaga hoje.

Clarice disse...

A frase é "não saber mais em que acreditar".

Às vezes fico pensando sobre o que as crianças e jovens reconhecem como certo em meio a tanto lixo.E me preocupa que saibam distinguir o bem, o correto, o digno.

O bem vence, mas a que custo!
Particularmente, estou de queixo caído e olhos arregalados há muitos anos, sempre achando que não há mais nada de pior para acontecer. Um dia desses perco o queixo e me caem os olhos.
Abraço.