domingo, 26 de agosto de 2012

A história do pequeno Chip

Minha passageira era uma idosa de aparência frágil. Setenta e tantos anos. Vestida de preto, óculos escuros, segurava uma caixa contra o peito. Não negociou preço. Pediu que eu a levasse ao município de São Leopoldo. Ao longo da corrida, descobri que havia mais um passageiro dentro daquela caixa.

Seu nome era Chip. Um cãozinho da raça Yorkshire. Minha cliente contou que ele havia completado 17 anos recentemente. Muita idade para um cão. O animal tinha sérios problemas de saúde. Teria sofrido duas cirurgias. Já não enxergava mais, só comia pela mão da sua dona. Ela, que o havia criado desde pequeno, fazia tudo por seu companheiro.

Há algum tempo, o animal vinha em estado crítico. A passageira contou que o colocava para dormir junto com ela, em sua cama. Havia algumas noites, ela não conseguia dormir direito, preocupada com a saúde debilitada do animal. Passava as noites acordada, velando o sono agitado do pequeno Chip.

Alisando a caixa em seu colo, a idosa contou que, na noite anterior, perdeu a luta contra o sono. Ao acordar, teria encontrado o cãozinho quieto. Quieto demais...

Chegando a São Leopoldo, antes de entrar no crematório, ela abriu a caixa. Mostrou-me seu pequeno parceiro. Ele estava vestido, com um boneco de pano lhe fazendo companhia. Conformada, minha passageira acreditava que seu amigo, por fim, estava em paz.

Meses depois, a mesma senhora me procurou para uma nova corrida. Trazia consigo uma pequena urna com as cinzas do Chip. Contou que não estava suportando ver os restos mortais do seu companheiro sobre a estante da sala. Pediu que eu a levasse até o Parque Farroupilha.  

Caminhando pela borda do espelho d’água da Redenção, a idosa virou a urna até que todo o seu conteúdo se espalhasse pela água.

Enquanto voltava para casa, minha passageira contou que fez sua filha prometer que faria o mesmo com suas próprias cinzas. Mas que essa outra corrida ainda devo demorar um pouco a fazer.

Assim espero.

5 comentários:

Dona Sra. Urtigão disse...

:-))

Inaie disse...

que lindo. a gente se apega emsmo a esses bichinhos...

SÉRGIO LB disse...

Bela crônica. A começar pelo título("A história do pequeno Chip"), que, por si só, enseja à primeira vista uma história para o mundo da evolução da microeletrônica, do processo da evolução tecnológica... além de (propositalmente) sugerir aos leitores uma aparente e falsa redundância nos vocábulos "pequeno" e "Chip".

Mas não é nada disso.

Ao lermos a narrativa é que passamos a compreendê-lo.

A sensibilidade e a singeleza humana transformaram a crônica em um texto brilhante.

Parabéns e um "há braço"!


Anônimo disse...

Brilhante.

Bete Nunes disse...

Nossa, que triste... Eu tenho um Yorkshire, desses pequenininhos, ele tem 1 ano a três meses. Adoro cães,adoro animais.
Tadinho desse bichinho da história, Eu perdi duas cachorrinhas, uma logo depois da outra. A primeira morreu na minha frente, de ataque cardíaco, sem eu esperar, a segunda sofreu por meses, até que autorizei a eutanásia, por amor a ela. Foi terrível, doeu demais.
Eu compartilho com essa senhora do que ela estava sentindo. E tamb´pem espero que demore bastante para essa outra corrida. E quem sabe você ainda a leve para buscar um outro bichinho.

Há braços.