domingo, 27 de novembro de 2011

Você já sentiu muito medo?

Meu nome é Danilo, sou taxista da noite, bandeira dois, e a situação é a seguinte: É meia-noite e tanto, acabo de pegar uma passageira saindo de um velório. Ela queria que eu a levasse até um dos bingos clandestinos da Azenha. Como informei que polícia havia fechado todos, pediu que a levasse, então, para sua casa, na Ilha das Flores, periferia mais pobre e afastada da capital. A passageira disse que é mulher de um traficante, não quer muito papo, está encolhida no banco traseiro com a mão dentro da bolsa. Vou ser assaltado. Certo.

 Meu nome é Cleide, sou faxineira, diarista, e a situação é a seguinte: Peguei um táxi com um motorista suspeito, grandalhão, barba por fazer, fazendo muitas perguntas. Caí na asneira de dizer que ia para um bingo, portanto ele sabe que tenho dinheiro. Fiz a besteira maior ainda de pedir que me levasse até minha casa, na Ilha das Flores. Vou percorrer um caminho deserto, escuro, junto a um tipo ameaçador. Menti que meu marido trabalha com drogas, para ver se ele não me assalta. Estou morrendo de medo, agarrada à imagem de Nossa Senhora Aparecida que carrego na bolsa.

 A passageira ligou para o marido pedindo para ele esperá-la "na ponta do beco". Deve ser algum tipo de código, pensa o taxista. No rádio, a notícia de que um colega morreu esfaqueado - um taxista trabalhador de 78 anos. Danilo entra em pânico. Agarra-se à sua correntinha de Nossa Senhora Aparecida.

 O taxista está com a mão dentro da camisa. Deve ter uma arma, pensa a passageira. O rádio anunciou a morte de um colega dele, agora o miserável vai se vingar em mim. Cleide Liga para seu marido, coitado, um aposentado por invalidez, incapaz de matar uma mosca, pede que ele a espere na ponta do beco.

 Ao receber pela corrida, o taxista ficou tão feliz que a passageira até estranhou - teria sido os R$3 de gorjeta? Danilo teve vontade de abraçar Cleide, jogar-se aos seus pés. Teria feito isso, não fosse o marido inválido observando na ponta do beco.

8 comentários:

Anônimo disse...

Imaginação pode ser nossa maior arma, quando a favor do escritor ou do artista, mas pode nos levar ao pânoco total! Boa trama, bom texto, como sempre!

vidacuriosa disse...

Texto sensacional, argumento idem. Item surpresa: inimaginável. Muito bom mesmo. Tudo dentro de um contexto atual, que deixa todo mundo em sobressalto.

Fátima Rama disse...

muito bom!! a mente nos prega muitas peças! além disso, nos baseamos nas aparências muitas vezes.

Ricardo Mainieri disse...

Narrativa em duas frentes, um belo recurso. Adiciona mais densidade à trama e dá este toque de suspense.
Um final bem sacado. Valeu!

Abraço.

Ricardo Mainieri

Clarice disse...

Ai! Ai! Caramba!
Somos preconceituoso por natureza, não tem jeito. Certo?
Que situação bem contada e armada(trocadilho infame, mas foi o que se pode arranjar, como dizia Rolando Lero).
Abraço.

Silvia C. disse...

Os dois lados da moeda... isso acontece comigo as vezes, acho que acontece com todo mundo, de pre julgar alguém. feio mas acontece com mais frequencia que eu gostaria

biu disse...

Valha-me Nsa. Sra. Aparecida.

Dalva M. Ferreira disse...

Faleço de inveja de você. Faleço!