domingo, 23 de maio de 2010

Correria na encruzilhada

Esse caso se passou em uma encruzilhada pouco iluminada do Bairro Ipanema. O taxista bem que pensou em não fazer a corrida, mas o serviço estava ruim, precisava do dinheiro. Acabou cedendo à tentação: levou a batuqueira e seu cliente até a tal encruzilhada.
Era um trabalho grande. A mãe-de-santo explicou que faria o despacho em duas etapas, uma porção de oferendas de cada vez. Quando chegou ao local escolhido, a religiosa pediu que o taxista ficasse à distância, não devia interferir no ritual de forma alguma.
A mulher pegou uma sacola de oferendas e foi para a encruzilhada, dar início aos trabalhos. Deixou uma outra sacola, com o restante do material, ao lado do táxi, na calçada, para buscar mais tarde. O taxista, que não entendia nada do assunto, ficou dentro do carro, esperando o momento de levar os passageiros de volta.
A princípio, tudo ia bem. Na encruzilhada, a mãe-de-santo trabalhava freneticamente, charuto na boca, jogando pipocas para o ar e entoando cantos ancestrais. O taxista assistia a função de dentro do táxi, distraído, nem reparou no garoto que se aproximava correndo...
Foi tudo muito rápido. Era o caminhão do lixo reciclável fazendo a coleta. O gari passou, na corrida, e levou a sacola com as oferendas do batuque. Jogou-a dentro do caminhão e seguiu correndo rua afora. O taxista boquiaberto, demorou a entender o que estava acontecendo. Quando pensou em protestar, o caminhão já sumia de vista.
O taxista entrou em pânico, não sabia se corria atrás do caminhão ou se interrompia os trabalhos na encruzilhada. Resolveu, então, fugir dali. Ligou o carro e saiu fedendo. Primeira, segunda, terceira marcha, acelerou tudo o que pode até cair com o táxi na parte mais funda do rio Guaíba!
Já estava quase morrendo afogado quando acordou com a batuqueira batendo no vidro do carro. O despacho havia acabado.

9 comentários:

Anônimo disse...

Ahahahahah! Sono em pleno despacho? Taxista calmo é outra coisa.
História bem contada. O final me pegou.
Abraços. E "dále" chuva!

Anunciação disse...

Muito bem!Cada vez mais se aprimorando hein!

Silvia Regina Angerami Rodrigues disse...

Excelente, Mauro!!! parabéns!!! adorei

Eduardo Martins disse...

O desconhecido mexe mesmo com o imaginário das pessoas. Chegou até dormir, mas dormir com o taxímetro ligado é melhor ainda. E como não arria despacho de dia, provavelmente, deveria ser bandeira 2. Sonhar não custa nada...

Dogman disse...

Suncê continua excelente, mizifio!

Gina Tônica disse...

Geeeeeente, mais original impossível isso aqui heim!

A-d-o-r-e-i

beijos!

Plinio Nunes disse...

Muito bom. A cada post desses fico a me perguntar por que o pessoal de curta metragens ainda não se ligou em aproveitar essas ideias de cenas. Imaginem um filme rápido com uma bela trilha sonora. Por certo, vão esperar que o próprio Mauro estenda ainda mais a sua veia artística,abarcando também o setor de vídeos e filmes. Fica uma sugestão e um abraço.

Hidaiana Rosa disse...

Nossa, muito boa a ideia do amigo acima. Já pensou as suas histórias transformadas em curtas? #SUCESSOTOTAL.
Eu morreria de medo presenciando uma mãe de santo em "pleno" trabalho.

;*

www.empautahr.blogspot.com

Paulo Alves disse...

Maravilha de conto! Dez!