Essa história me foi contada por um taxista desconhecido. Eu não perguntei seu nome, nem anotei seu prefixo. Digamos que ele se chamasse João. Ele me contou que estava vendendo seu táxi e explicou o motivo.
Falou que seu pai era um taxista esforçado. Sustentava a família com dignidade com o dinheiro que tirava na praça. O velho, porém, tinha um vício: o jogo. João contou que, certa vez, seu pai apostou o táxi em uma corrida de cavalos. E perdeu.
O ganhador, porém, conhecendo bem o pai de João, no lugar de cobrar a dívida, apenas obrigou o velho a passar o táxi para o nome do filho, para que nunca mais apostasse o futuro da criança. Mais tarde, com a morte do pai, João acabou assumindo a profissão.
Por uma dessas ironias do destino, uma outra dívida de jogo cruzou o caminho do meu colega, quando ele fez uma corrida, há algumas semanas.
Tarde da noite, dois homens pediram que João tocasse para uma vila da Zona Sul. Eles disseram que procuravam alguém. Depois de passar por vários botecos, encontraram o tal sujeito e o obrigaram a entrar no táxi. Então, ordenaram que João os levasse até o Morro da Polícia.
No caminho, ficou claro que os dois homens eram capangas encarregados de cobrar uma dívida de jogo. Com as armas já sacadas, não havia muito o que fazer. Foi uma corrida tensa, ao som do choro do devedor. João apenas rezava para não morrer junto.
Em uma rua escura e desabitada, no alto do Morro da Polícia, os homens ainda obrigaram meu colega a retirar a vítima, que se recusava a descer do táxi. Quando o sujeito finalmente correu, foi alvejado pelas costas. Depois dos tiros, apenas o silêncio, pontuado por um ou outro latido de cachorro.
João viveu para me contar a história, mas não quer mais o táxi. Disse que ainda está por vir a noite que conseguirá dormir sem a ajuda de tranquilizantes.
16 comentários:
Infelizmente é um vício maldito!
Tenho um tio taxista lá em SP que é viciado em jogo. Não conseguiu nunca fazer patrimonio nenhum em anos de praça, porque torra tudo em jogos. Seu filho, em 2 anos de taxi, comprou carro novo, financiou apartamento e cresceu na vida.
É o maldito do jogo, destruindo a vida de muita gente. Mesmo que não seja da forma como você descreveu, mas de uma forma ou de outra, detrói.
Excelente semana para você!
A triste realidade nua e crua... A falta de controle na vida leva a esses fins trágicos. Seja por culpa de jogo, drogas ou o que quer que seja.
Boa semana Castro.
Abraços
Que ironia do destino mesmo...
Pobre homem.
Abs.
Bem traumatizante mesmo.
E, infelizmente, uma história real.
A vida consegue ser bem triste em certos momentos. Ainda bem que pelo menos o João se salvou.
Beijos
Não apenas por essa situação descrita, não apenas pelas balas perdidas, não apenas pelo medo diário: o pior de tudo, é termos nossas vidas e liberdade roubadas.
Que horror. Deu sorte de não ter morrido também.
É sempre um prazer poder entrar neste seu blog e maravilhar-me com as histórias escritas!
Este blog é (como dizemos por cá em Portugal) 5 estrelas!! Adoro e já recomendei o mesmo a muita gente por aqui!
Apesar de esta história ser bem mais dramática, obviamente gostei!
Parabéns pelo bom trabalho!
Abraço
Nota: entretanto tive de mudar de blog e criar um novo, apesar do o interesse não ser muito, dê uma espreitada!
http://gorbysplace.wordpress.com/
Infelizmente é uma realidade muito nua e crua.Seja vício de jogo ou drogas,esse é o fim.E é triste qdo a pessoa quer deixar do vício e não consegue.Sómente com ajuda profissional e com muita força de vontade.Abraços e ótima semana.
Que tristeza!
Se ao invés de drogas, jogo e outras nulidades, essas pessoas tivessem o vício de ler, certamente teriam menores mazelas. Mas, enfim, o mundo é assim mesmo.
Realmente , assim não dá.
Beleza de texto. Gostei mesmo!
Encontrei seu blog assim por acaso e virei fã de suas histórias.
Abraços!
Tu escreve muito bem, adoro crônicas, adoro ler muito, adoro escrever... e adorei ler seu blog. Achei hoje, graças a uma amiga, leitora sua.
Vou vir ler mais vezes com certeza.
Histórias de taxistas são sempre boas de ouvir/ler, alias acho que se há uma profissão pra se ter histórias pra contar é ser taxista. ;)
Também tenho blogs há tempos, mas desde janeiro venho escrevendo sobre minha vida na Alemanha, e como escrever ajuda em muita coisa. :)
abraços
Luana
A tristeza de um vício junto a barbárie social num país em desenvolvimento ... duro, árido este retrato da vida cotidiana.
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