quinta-feira, 6 de janeiro de 2022

Tô com dor de garganta, sintomas gripais. Fui no Postinho. Resultado do exame COVID sai em 3 dias. Fico em casa, por enquanto. Pra aliviar o coração, fiz um teste rápido de antígeno. Não reagente. Deve ser mesmo só a garganta. Mas o que eu quero contar é outra coisa.

No posto de Saúde, esperando minha vez, a atendente chama uma certa "Rosicler". Opa!
Eu tinha meus 14 anos, estudava no colégio Polivalente, em Viamão. Lembro que, no meio do ano, do nada, apareceu uma aluna nova! Rosicler. Olha! Era uma moreninha linda demais, olhos verdes, bem verdes, foi uma sensação, a tal Rosicler. Além de linda, ela usava um abrigo da Adidas. Três listras. Em Viamão, século passado, aquele abrigo era o sonho de consumo de todo estudante! Além do mais, o agasalho não era o tradicional azul (o que já seria o máximo), mas um verde musgo, que ornava perfeitamente com os olhos verdes da Rosicler. Uau! Desnecessário dizer que todos se apaixonaram pela menina, que, óbvio, nos ignorava por completo. Passados mais de 40 anos, como podem ver, não esqueci a Rosicler...
Voltando ao Posto de Saúde. A atendente chama uma certa Rosicler. Fico atento. Será? A mulher que levanta é morena. Ó! Ela não parece a gatinha do colégio. Pudera, passaram-se 4 décadas. Ela parece ter a minha idade. Ó! Pode ser ela! A mulher está obesa, veste uma bermuda legging floriada e chinelos de borracha. Nem sinal do logotipo Adidas. Bom, sei lá, a crise. A mulher move-se com dificuldade, tem um problema em uma perna, eu acho. Ela está à minha frente, vai ao encontro da atendente. Não consigo ver a cor dos olhos: serão verdes? Bem verdes? O cabelo desgrenhado, os braços flácidos gesticulando para a atendente, a voz de taquara rachada. Meu Deus, o que o tempo fez com a Rosicler! O que o tempo fez comigo, que estou no mesmo Postinho, também calçando chinelos de borracha, calvo e com os braços também flácidos. A Rosicler, agora, está discutindo com a atendente, exigindo a presença de um médico, fala de um desgaste no quadril, penso nas minhas dores articulares, aqueles jovens do colégio Polivalente perderam-se no passado. Nada de abrigo Adidas, nada do meu cabelo caindo nos olhos. A Rosicler, ainda de costas para mim, roda a baiana, ameaça chamar a imprensa, a Rádio Gaúcha, sinto-me desconfortável, minha antiga paixão poderia, pelo menos, ter mantido a elegância... É quando ela dá a discussão com a atendente por encerrada e vira-se em minha direção. É quando, por fim, consigo olhar os seus olhos: Castanhos, opacos, nenhum brilho, nem sombra daquele verde estonteante. Não é a "minha" Rosicler!
A mesma atendente, pouco depois, enfia um enorme cotonete nas minhas narinas. Parece aborrecida. Não a culpo: o dia está quente, o Postinho cheio, pessoas desagradáveis como a falsa Rosicler... Haja paciência. Esse ainda será um ano difícil.

4 comentários:

Eliana disse...

Ei Mauro,

Sempre bom te ler!

O tempo passa e deixa suas marcas... Não temos nenhum controle sobre esse fato.

E a Rosicler (não é um nome muito comum) certamente está andando por aí levando as marcas que o tempo deixa em cada um de nós.

Tomara que seja apenas um resfriado. Fique bem!

Um abraço!

Dalva M. Ferreira disse...

Aquellos ojos verdes, serenos como un lago, dejaron en mi alma eterna sed de amar... Muito lindo, Mauro, você é dos bons.

Anônimo disse...

Ficamos aqui pensando em como seria encontrar nossos colegas de sala daqui a 20 anos. Adoramos o seu texto! Parte de nós também teve experiências desagradáveis com testes de COVID durante a pandemia. O seu texto "Capenga" faz parte de nossa apostila. Muito legal poder comentar aqui.

Um salve dos alunos do 6°!

Mauro Castro disse...

Apena hoje descobri seu comentário! Que bom que usam meus textos na apostila!
Há braços!!