Muito, muito magra, cabelo descolorido, usava pochete, camiseta do Grêmio, uma calça suja de barro nos joelhos e calçava chinelos de dedo. Levantou uma das mão para o meu táxi enquanto segurava um latão de Skol com a outra. A apresentação da cliente não me despertou o menor entusiasmo, mas, em tempos de vacas magras, tô abraçando o que vier.
A passageira (literalmente) não cheirava bem, embarcou gemendo, reclamando de uma dor muscular que a estava matando. Disse que tinha dormido 16 horas na mesma posição, e que o frio do Uruguai, Punta del este, de onde estava chegando, tinha piorado as coisas. Estava louca por um banho quente. Pediu que subisse uma rua do bairro Partenon famosa pelos conflitos de facções, por disputas de território - as pulgas atrás da minha orelha só aumentando.
No alto do morro, a mulher pediu que eu a deixasse na altura de um enorme carro preto estacionado. Tratava-se de um BMW Q1, caríssimo, mas todo amassado, vidros quebrados. Parecia que alguém tinha usado um taco de beisebol para descarregar sua raiva sobre o veículo. Antes que eu perguntasse sobre os estragos no carro, a mulher abriu a pochete e tirou uma máscara de dinheiro. Um monte de notas de 100 e 50 presas por um elástico! Além do monte que ela pegou, outros maços de dinheiro dentro da pochete. Calculei, por baixo, uns 50 mil.
A corrida deu R$7,50. A mulher desprendeu uma nota de cinquenta do maço e me passou, autorizando-me a cobrar R$8. Generosa. Como o latão vazio não coube na lixeirinha do táxi, ela amassou e jogou na calçada assim que desembarcou. Depois de analisar com evidente desgosto o carrão todo arrebentado, entrou em uma casa de muro altíssimo, com cacos de vidros e arame farpado no alto. Uma fortaleza em meio aos casebres humildes da quebrada.
fiquei curioso em saber mais sobre aquela passageira, mas depois de ver o estado do carro, a quantidade de dinheiro e a casa onde ela ia entrar, achei melhor não fazer muitas perguntas. Sabe cumé.
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Moro na lua
Peguei uma daquelas corridas que são bem raras hoje em dia: Praia do Lami, extremo sul da Capital! Na volta à civilização, mesmo tarde da noite, resolvi fazer um corta caminho pelo Cantagalo, cruzando Restinga, Lomba do Pinheiro, enfim, uma trilha pelos labirintos da zona rural de Porto Alegre - o que vale é economizar uns pilas. Foi numa destas estradinhas de terra, no meio do nada, em meio ao mais completo breu, que me deparei com um homem. Mesmo de longe, os faróis do táxi permitiam identificar a figura de um homem. Ele estava parado. Não caminhava. Em pé, estático, olhando para cima. Parecia vestir roupa social. Paletó.
Diminui a velocidade. Terceira marcha. Precisava de tempo para examinar a situação, certificar-me de que não se tratava de alguma armadilha. O homem não se mexia. Seria um boneco, colocado ali para assustar motoristas incautos? Puxei uma segunda, fui virando roda, dei luz alta.
Não havia casa alguma nas imediações, nem uma porteira de sítio, nem uma luz, iluminação pública nem pensar, o homem estava de paletó, numa estrada de chão batido, sem nenhum sinal de carro ou qualquer outro tipo de transporte. E estava parado, não parecia estar indo a lugar nenhum. Fui chegando perto do homem, me aproximando. Primeira marcha engatada, qualquer coisa eu acelero!
Nesse ponto, consegui identificar o sujeito:
- Senhor Sérgio? Sérgio Moro? - Perguntei, enquanto parava o táxi.
- Olá - Ele respondeu de forma casual, olhando-me por um instante e logo voltando a olhar para cima.
- Ãh, mas, Ãh, o que o senhor faz aqui, senhor Sérgio? - Eu fiquei confuso, precisava entender o que estava acontecendo, enquanto o homem parecia sereno.
- Estou olhando a lua.
- A lua? Aqui? Nesse fim de mundo? Como assim? Que lua?
- A lua de sangue! É um fenômeno que acontece quando...
- Sim, sim, eu sei, a lua na sombra da terra, mas... mas...
- Então. Estou tentando observar a coisa acontecer.
- Sim, mas esse lugar, o senhor, sei lá.
- Então, é bem chato mesmo, todo esse trabalho e as nuvens atrapalhando.
- Mas o senhor está a pé! Como o senhor veio parar aqui?
- Transporte por aplicativo. O motorista parceiro procurou no Waze: “melhor lugar para ver a lua”. A tecnologia me espanta, ela tem resposta para tudo.
- Mas seu Sérgio Moro, como o senhor pretende sair desse lugar? não tem sinal de internet aqui, posso lhe dar uma carona, se o senhor quiser.
- Obrigado, taxista, mas ainda não perdi as esperanças quanto à lua. Além disso, um amigo meu está vindo me buscar.
- Ok. Até mais, então.
- Olá - Ele respondeu de forma casual, olhando-me por um instante e logo voltando a olhar para cima.
- Ãh, mas, Ãh, o que o senhor faz aqui, senhor Sérgio? - Eu fiquei confuso, precisava entender o que estava acontecendo, enquanto o homem parecia sereno.
- Estou olhando a lua.
- A lua? Aqui? Nesse fim de mundo? Como assim? Que lua?
- A lua de sangue! É um fenômeno que acontece quando...
- Sim, sim, eu sei, a lua na sombra da terra, mas... mas...
- Então. Estou tentando observar a coisa acontecer.
- Sim, mas esse lugar, o senhor, sei lá.
- Então, é bem chato mesmo, todo esse trabalho e as nuvens atrapalhando.
- Mas o senhor está a pé! Como o senhor veio parar aqui?
- Transporte por aplicativo. O motorista parceiro procurou no Waze: “melhor lugar para ver a lua”. A tecnologia me espanta, ela tem resposta para tudo.
- Mas seu Sérgio Moro, como o senhor pretende sair desse lugar? não tem sinal de internet aqui, posso lhe dar uma carona, se o senhor quiser.
- Obrigado, taxista, mas ainda não perdi as esperanças quanto à lua. Além disso, um amigo meu está vindo me buscar.
- Ok. Até mais, então.
Partí controlando pelo retrovisor o homem que, à medida que meu táxi se afastava, era consumido pela escuridão. Ainda me recuperava do encontro espetacular que acabara de acontecer quando deparo com outro evento quilômetros adiante. Uma moto caída e um homem se levantando do chão. Um acidente! Parei para socorrer o motoqueiro que se espanava tentando se livrar da terra na roupa. Parecia ter sido um belo tombo. Logo reconheci o motociclista:
- Neymar? Neymar Junior?
- Opa, beleza?
- Cara, tu caiu aí, está machucado?
- Não, não. É a minha moto, sabe, ela cai por qualquer coisa. Um ventinho lateral e ela saiu rolando.
- Mas o que tu fazes por aqui, no meio da noite, neste fim de mundo?
- Estou indo buscar um amigo, o Serginho, ele deve estar aí adiante.
- Sim, sim, ele está olhando a lua, Neymar.
- Opa, beleza?
- Cara, tu caiu aí, está machucado?
- Não, não. É a minha moto, sabe, ela cai por qualquer coisa. Um ventinho lateral e ela saiu rolando.
- Mas o que tu fazes por aqui, no meio da noite, neste fim de mundo?
- Estou indo buscar um amigo, o Serginho, ele deve estar aí adiante.
- Sim, sim, ele está olhando a lua, Neymar.
Foi mesmo uma noite louca com essa lua de sangue me fazendo a cabeça.
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Meu coach mandou eu continuar focando em negócios com futuro garantido.
Táxi✓
Livro✓
Livro✓
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Peguei a ruivinha saindo de um supermercado. Cabelo de fogo, olhos cristalinos, boca bem desenhada, uma linda. Coloquei as compras no porta-malas e partimos. Ela passou a corrida toda falando de bruxaria. Rituais pagãos, empoderamento místico, alquimia, fontes de poder, alaúdes, música medieval e outras delícias. Uma bruxa moderna, minha cliente. Um amor de bruxinha.
Passado algum tempo, duas ou três corridas depois, ao fazer uma curva mais fechada, ouvi um barulho estranho. Alguma coisa solta no porta-malas do táxi. Ao descarregar as compras da ruivinha, acabou ficando para trás uma... vassoura.
Não creio em bruxas, mas, na dúvida, estou indo lá devolver o "equipamento".
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Há dez anos, ela andava no meu táxi de clínica em clínica, tentando desesperadamente uma gravidez tardia. Tentativas frustradas, tratamentos, reprodução assistida, promessa, simpatia, qualquer coisa. Obcecada. Este taxista por confidente. Resolveu tentar o milagre com um "médico famoso", no Centro do país.
Conseguiu.
Os gêmeos estão completando dez anos, lindos, mas o preço foi alto. Hoje as corridas são novamente de clínica em clínica, em busca de sanidade mental. Clínicas psiquiátricas, terapia. Minha passageira é uma das cento e tantas mulheres que denunciaram o "médico famoso" por abuso sexual.
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Depois de uma corrida sonolenta, pastosa, meu embriagado passageiro resolveu conversar. Com o táxi já parado, a porta aberta, uma perna pra fora, ele começou:
- Quanto eu devo, taxista?
- R$14.
- Eu faço manutenção predial, elétrica, hidráulica, sento azulejo, faço de tudo, trabalho mesmo, cara, não tem ruim, eu encaro, só apartamento bacana, gente do dinheiro, e quer saber, tenho raiva dessa gente, cara, tudo uns murrinha, mão de vaca, querem economizar na mão de obra, por isso que esse país tá desse jeito, taxista. Quanto eu devo?
- R$14,76
- Esse país tem tudo, cara, tu sabe disso, taxista, se furar o chão, aqui, embaixo do teu táxi, se furar sai água, no Japão não tem água, sabia que no Japão não tem água? Não tem nada lá, cara, japonês é foda, meu irmão, eles dão o jeito, mas aqui é essa roubalheira, todo mundo metendo a mão, taxista. Quanto eu te devo?
- R15,30
- O cara que inventou o carro movido a água, onde é que tá o cara que inventou o carro movido a água? é brasileiro, o cara, inventou o carro movido a água, onde ele tá agora? sumiram com o cara! tu não ouve mais falar no homem, deram um jeito, apagaram o cara, é uma vergonha, meu chapa, tinha que entrar um cara lá no congresso e matar todo mundo, acabar com essa rafoagem. Quanto deu a corrida, meu irmão?
- R$16,15
- Sabe o que é que tinha que ser? tinha que ser a monarquia, cara, um rei, pronto, um rei, entra lá e manda, resolve, um rei e o povo, esses caras estão tudo comprado, os banqueiros é que mandam, agora querem carro elétrico, carro elétrico, cara, imagina! na chuva, eletricidade e água não combinam, cara, vai ser gente morrendo eletrocutada a torto e a direitos, porque vai ter que ser 220volts, tá ligado, 110 não acende nem os faróis, eu mexo com elétrica, cara, eu sei. Quanto eu te devo?
- R$17.
- Toma aqui o dinheiro, 17, trocadinho. Sabe esse negócio de cremação, taxista? cremação, botar as cinzas numa urna.
- Não, não sei, nem quero saber de porra nenhuma de cremação. Vaza, meu, já era, cai fora.
- Isso é picaretagem, a cremação...
- Sai, sai, tchau, meu chapa (ligando o carro, engatando a primeira marcha), acabou a corrida, tenho que ir, já era.
- Mas.
- Deu, deu, deu, não tem mas, não quero saber, sai fora.
- R$14.
- Eu faço manutenção predial, elétrica, hidráulica, sento azulejo, faço de tudo, trabalho mesmo, cara, não tem ruim, eu encaro, só apartamento bacana, gente do dinheiro, e quer saber, tenho raiva dessa gente, cara, tudo uns murrinha, mão de vaca, querem economizar na mão de obra, por isso que esse país tá desse jeito, taxista. Quanto eu devo?
- R$14,76
- Esse país tem tudo, cara, tu sabe disso, taxista, se furar o chão, aqui, embaixo do teu táxi, se furar sai água, no Japão não tem água, sabia que no Japão não tem água? Não tem nada lá, cara, japonês é foda, meu irmão, eles dão o jeito, mas aqui é essa roubalheira, todo mundo metendo a mão, taxista. Quanto eu te devo?
- R15,30
- O cara que inventou o carro movido a água, onde é que tá o cara que inventou o carro movido a água? é brasileiro, o cara, inventou o carro movido a água, onde ele tá agora? sumiram com o cara! tu não ouve mais falar no homem, deram um jeito, apagaram o cara, é uma vergonha, meu chapa, tinha que entrar um cara lá no congresso e matar todo mundo, acabar com essa rafoagem. Quanto deu a corrida, meu irmão?
- R$16,15
- Sabe o que é que tinha que ser? tinha que ser a monarquia, cara, um rei, pronto, um rei, entra lá e manda, resolve, um rei e o povo, esses caras estão tudo comprado, os banqueiros é que mandam, agora querem carro elétrico, carro elétrico, cara, imagina! na chuva, eletricidade e água não combinam, cara, vai ser gente morrendo eletrocutada a torto e a direitos, porque vai ter que ser 220volts, tá ligado, 110 não acende nem os faróis, eu mexo com elétrica, cara, eu sei. Quanto eu te devo?
- R$17.
- Toma aqui o dinheiro, 17, trocadinho. Sabe esse negócio de cremação, taxista? cremação, botar as cinzas numa urna.
- Não, não sei, nem quero saber de porra nenhuma de cremação. Vaza, meu, já era, cai fora.
- Isso é picaretagem, a cremação...
- Sai, sai, tchau, meu chapa (ligando o carro, engatando a primeira marcha), acabou a corrida, tenho que ir, já era.
- Mas.
- Deu, deu, deu, não tem mas, não quero saber, sai fora.
Deixei o cara agarrado em uma placa de trânsito explanando acerca da cremação. A paciência dura até desligar o taxímetro.
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Mulher grávida, a blusinha curta deixando o barrigão de fora. Ela embarca no táxi segurando uma Pizza Hut tamanho família - quentinha, o cheiro de calabresa inunda o carro. Motel Sevilha. Na portaria, ela informa seu nome é diz que o marido a espera no quarto seis. A recepcionista confirma pelo interfone. Antes de entrar em direção aos quartos, minha passageira ainda pergunta à porteira:
- Vocês tem Fanta uva no frigobar?
- Fanta uva, não.
- Tudo bem. Não se pode ter tudo.
- Fanta uva, não.
- Tudo bem. Não se pode ter tudo.
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Corrida pra rodoviária
- Taxista, me vende as tuas meias.
- Minha meias?
- É, eu compro, quanto o senhor me faz o par?
- Sei lá, mas por que o senhor quer minhas meias?
- Eu saí com uma "percanta" ontem, o senhor sabe. Na hora de me vestir, troquei uma das meias. Só agora pela manhã, no hotel, percebi que estou com uma meia toda branca e outra branca com o símbolo da Nike rosinha.
- Putz.
- Não posso chegar em Santa Maria com essas meias, entende?
- Minha meias?
- É, eu compro, quanto o senhor me faz o par?
- Sei lá, mas por que o senhor quer minhas meias?
- Eu saí com uma "percanta" ontem, o senhor sabe. Na hora de me vestir, troquei uma das meias. Só agora pela manhã, no hotel, percebi que estou com uma meia toda branca e outra branca com o símbolo da Nike rosinha.
- Putz.
- Não posso chegar em Santa Maria com essas meias, entende?
Corrida + livro + par de meias usadas. Passou no débito.
Um comentário:
Oi, cara! Tudo bem? Descobri seu blog estundando para fazer prova de produção textual. Li um texto seu no capítulo que fala sobre blog, o texto a capenga. Achei muito massa e resolvi procurar na internet. Suas histórias são demais. Parabéns!
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