Eu estava meio cochilando, sentado no táxi, ar condicionado ligado pra escapar do calor, sonhando com alguma praia do Caribe, eu acho. Duas ou três batidinhas no vidro me trouxeram de volta à realidade. Uma senhorinha, olhos azuis brilhantes, desses que parecem estar sempre lacrimejando, me olhava do lado de fora da janela. Ela embarcou desculpando-se por me perturbar o descanso. Imagina.
A vozinha estava indo visitar um curandeiro, comprar uns remédios para o reumatismo. Contou que está fazendo um tratamento à base de benzeduras e comprimidos fitoterápicos feitos por uma espécie de índio, um morador misterioso do Bairro Petrópolis, que elabora seus medicamentos no fundo do quintal. Elixires miraculosos com nomes sugestivos: Garra do Diabo, Unha de Gato e outras tranqueiras. Uia!
Minha idosa cliente estava desiludida com a medicina convencional. Segundo ela, uma cirurgia de hernia da coluna teria lhe deixado “capenga”.
-- Fiquei capenga. Eu não capengava! Olha ai a muleta, tô capengando. Se soubesse que capengaria, não teria operado.
Além de conjugar o verbo capengar em todos os tempos possíveis, minha catedrática passageira ainda usou algumas expressões que fazia tempo que eu nunca tinha escutado. Ela afirmou, por exemplo, que honestidade, hoje em dia, é "manga de colete". Ou seja: não existe. Disse também que os desonestos não perdem por esperar, porque "Deus não sesteia".
Chegando em Petrópolis, minha passageira se embrenhou em um terreno tapado de brejo onde o suposto curandeiro mora. Uma maloca de madeira que mal se enxerga da rua. Enquanto a esperava, sonhei com florestas, indios, batuques e flechas envenenadas. Fui acordado de novo pelos dedos da idosa batendo no vidro do táxi. Ela voltou benzida e com as drágeas milagrosas que prometem colocar suas pernas no prumo.
De volta ao ponto de partida, a velhinha pagou a corrida e se foi com suas lágrimas azuis. Ainda capenga, mas cheia de fé. Deus não sesteia.
5 comentários:
Bah, a senhorinha acredita na força da natureza, no poder das ervas naturais.
Admiro muito essa honestidade, essa tranquilidade e respeito. A sociedade perdeu isso faz algum tempo.. os que tem são ratos.
Mais um item pra minha lista de coisas a falar dos lugares por onde passei e passarei: o Respeito.
http://testadoresdelugares.blogspot.com.br/
Mauro, adoro as suas crônicas e permita-me discordar de você. Unha de gato e garra do diabo não são tranqueiras. São potentes antinflamatórios bastante pesquisados, embora não sejam milagrosos. Tem uma ótima ação com menos efeitos colaterais do que os sintéticos. Abs
Sobre antigos dizeres, hoje ouvi um que não conhecia... segundo meu pai, é um dito nordestino:
"justo como boca de bode!"
Na surdina, mas ainda te lendo!
E dia 18 foi meu aniversário!
amor e fé são ingredientes fundamentais para usufruir a vida apesar de todas as "dores" que a vida e velhice faz acumular em nós.........
falo por vivencia própria neste momento especial da minha vida....
abrs Mauro.....taxista/amigo/escritor/musico/desenhista/ E AMANTE DA FAMÍLIA.....
Tá po chaaaaaaaaaaa
Tuuu e Malucoo
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