domingo, 20 de julho de 2014

Na companhia da solidão

Avenida Oscar Pereira, 400. Não foi difícil achar o endereço. Cemitério São Miguel e Almas. O problema foi achar meu passageiro. Quem solicitou o táxi foi um funcionário. Ele disse que o senhor que precisava da condução havia sumido. Fui achá-lo fumando no café do cemitério.

Meu cliente era um velhinho muito magro, barba de 3 dias, corcunda, paletó surrado e chapéu de feltro. Depois de certificar-se de que o taxímetro estava ligado, ele convidou-me a sentar, tomar um expresso, o tempo de terminar seu cigarro. Informou que faria 88 anos no mês que vem, que não tinha mais pressa para nada.

Além de um taxista, o velhinho carecia de alguém que o escutasse. Estava saindo do velório de um amigo. Ele contou que quando fez 50 anos tratou de comprar seu caixão e colocá-lo embaixo da cama, onde está até hoje. Na mesma época, escolheu quatro amigos, os melhores, os mais fortes. Foram escalados por ele para uma missão importante. Seriam os responsáveis por carregar seu caixão até o túmulo.

Nos trinta e oito aos que se seguiram, meu idoso passageiro viu muito de seus planos ficando pelo caminho. Aposentou-se, ficou viúvo, perdeu o interesse pelo mundo. Tornou-se um velho recluso, solitário. Confessou-me que, do jornal, lê apenas o obituário, para conferir se não morreu ninguém conhecido.

Meu passageiro estava saindo do velório do último dos seus quatro amigos. O último braço forte do time que um dia escalou para carregá-lo até sua derradeira morada. Sem filhos nem parentes próximos, não tem mais ninguém por ele. Resta-lhe o prazer proibido do cigarro e um caixão corroído pelos cupins embaixo da cama.

Depois de uma corrida silenciosa até a Vila Assunção, deixei o velhinho em frente à sua casa, um sobrado em ruínas estilo mal-assombrado. Na calçada, ele despediu-se erguendo levemente o chapéu e dedicando um sorriso ao taxista que lhe deu ouvidos. Feito isso, voltou para sua inevitável companheira: a solidão.

2 comentários:

Ricardo Mainieri disse...

Uma crônica triste como costumam ser os assuntos desta área. Além de taxista, escritor é, às vezes, psicólogo!

Dalva M. Ferreira disse...

Excelente companheira, bem melhor que certas companhias... Abração!