domingo, 6 de abril de 2014

O operário romântico

Não havia táxis no ponto da Estação Rodoviária e eu parei. Embarcaram três passageiros com sotaque carioca. Homens humildes, modos rudes, roupas simples. Pediram que tocasse para a Arena do Grêmio. Pelo que conversavam, entendi que eram operários mandados ao Sul para resolver um problema no estádio de futebol.

Os homens tinham chegado de madrugada na cidade e tiveram que passar o resto da noite sentados nos bancos desconfortáveis da rodoviária. Estavam cansados, com fome, ansiosos por chegar a um bar ao lado do estádio onde uma pessoa os aguardava com dinheiro para o táxi e a alimentação.

O que tinha tudo para ser apenas mais uma corrida começou a mudar quando o telefone de um dos homens do banco traseiro tocou. Era sua mulher, ligando do Rio de Janeiro, querendo saber se ele estava bem. A forma como o sujeito tratava a mulher ao telefone impressionava pelo tom carinhoso. Ele procurou acalmar a esposa intercalando as frases com expressões do tipo “meu amor”, “minha querida”, “minha flor”. Ao fim da ligação, o homem foi alvo de chacota dos seus colegas, que, machistas, o aconselhavam a não tratar assim a mulher.

Foi nesse clima que chegamos ao tal bar em frente à Arena. Dois boçais tentando mostrar ao colega que mulher deve ser tratada com descaso. Conselhos que o outro ignorou solenemente. Mas foi quando um deles desceu do táxi para buscar o dinheiro no bar, que o operário “romântico” realmente me surpreendeu.

Ele começou a cantar.

Foi a interpretação mais impressionante que já ouvi de Chão de Estrelas, o clássico de Sílvio Caldas. Foi, realmente, de arrepiar. No banco traseiro do meu táxi, enquanto esperava o colega voltar com o dinheiro, o homem soltou a voz com a competência de um artista profissional. Um verdadeiro show!

O macho da espécie humana é um tosco por natureza, mas exemplos como o do operário romântico é a prova de que nem tudo está perdido para nós homens.

5 comentários:

ricardo garopaba blauth disse...

o canto foi o bônus da corrida...........

Ricardo Mainieri disse...

Mauro, tem alguns espécimes que salvam a raça. Como tudo na vida, a desvinculação de padrões é um aprendizado. Eu aprendi a ser mais humano e cordial, traços muitas vezes vistos como "femininos".
A visão de minha religião que vê o espírito, antes de tudo como humano, que pode ter experimentado vários papéis em suas várias jornadas, me deixa tranquilo quanto a expressão de um modo de ser menos tosco.
Um parabéns ao operário romântico e cantor, sem dúvida ele é mais feliz do que os outros colegas...

tesco disse...

A espécie humana é sempre surpreendente.
Contrariamente ao Barão de Itararé, que inverte o provérbio ("De onde menos se espera... Daí é que não sai nada mesmo!"), estamos sempre observando maravilhas.
Há os que nada veem, evidentemente, estes não tem olhos para ver que "...tu pisavas nos astros distraída...". `
É lamentar por eles e gozarmos nossas emoções, que mais?
Abraço.

tesco disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Dalva M. Ferreira disse...

Esse táxi é um quadro clínico!!!