domingo, 23 de março de 2014

O perneta maldito

O homem que fez sinal para meu táxi tinha um defeito em uma perna. Antes de embarcar pediu que eu abaixasse o vidro. A porta já estava destravada, era só entrar, mas ele precisava combinar algum detalhe, e esse era um mau começo para uma corrida. Ele queria combinar o preço.

Estava um calor desumano e o homem parecia abatido. Ele agarrou-se à porta do táxi como se por um instante tentasse diminuir o peso sobre sua perna doente. Tinha uma nota de R$ 5 na mão. Explicou que precisava ir até a altura do estádio Beira-Rio. Perguntou se eu o levaria até lá pelos cinco Reais. Senti pena.

Além do belo desconto, aquela corrida me tiraria do caminho do meu ponto, me deixaria em um lugar de difícil retorno, significaria um prejuízo, mas o dinheiro não é tudo, pensei. Resolvi acolher aquele pobre diabo que precisava de ajuda.

No conforto do meu táxi, o homem relaxou. Reclinou o banco para melhor se acomodar, espichou as pernas (uma mais que a outra, é verdade), regulou as saídas do ar-condicionado para se refrescar, puxou os óculos para a testa, jogou a cabeça para trás.

Com voz mansa, o homem explicou que estava chegando de viagem. Caribe (só então, notei o bronzeado). Estava indo retirar seu carro zero, que tinha acabado de comprar, em uma revenda de importados, na frente do Beira-Rio (adquirido com isenção de impostos devido à perna). Segundo meu folgado cliente, não tinha mulher que ele não ganhasse com um bom carro importado. Insatisfeito com o desempenho do ar-condicionado do táxi, usava a nota de R$ 5 para se abanar (detestava os carros nacionais).

Eu já estava a ponto de mandar o perneta descer quando chegamos à tal revenda de veículos. Veio abrir a porta do táxi uma loira monumental com um sorriso de orelha a orelha. A vendedora. Ela jogou tanto charme para cima do cliente que ele me passou a nota de R$ 5 sem sequer lembrar-se de agradecer.

É  por essas e por outras que meu lugar no céu deve estar garantido.

5 comentários:

Maykon Souza disse...

Uma vez, estava com dois amigos pulando de bar em bar aqui em Santos e fomos abordados por um senhor franzino. Disse que tinha perdido o sopão que distribuíam no bairro e que tinha muita fome. Mas, o pior não era isso. Sem dinheiro para o ônibus, não conseguiria chegar ao albergue e dormiria ao relento. Lágrimas nos olhos, ele tinha a voz embargada e falava com uma sinceridade espantosa. Claro que abrimos as carteiras e deixamos com ele boa parte da grana que iria para o balcão do boteco mais próximo. Dias depois, vimos ele atuar na mesma esquina, pelo menos, três vezes. Era digno de aplauso. Mesmo depois de confirmado o sucesso do golpe, ele não perdia a linha. Guardava o dinheiro, respirava fundo e partia para as próximas vítimas.
Não conseguimos nem ficar chateados ou com raiva do sujeito. Acho que valeu a pena pelo couvert artístico.
Pensa assim também, tomou prejuízo, mas ficou com uma boa história.
Abraço!

Elisandro disse...

Que vagabundo!!! Haha

tesco disse...

Kkkk! Maldito, né?
Quem nunca caiu num conto desses, que atire a orimeira pedra (não em mim, pleas!).
Abraço.

tesco disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Dalva M. Ferreira disse...

Bicho forgado!