domingo, 20 de outubro de 2013

Tensão a bordo

Eu estava preso no congestionamento bem em frente ao Hospital Psiquiátrico São Pedro. Duas mulheres vinham praticamente arrastando um jovem em direção ao meu táxi. Enquanto ele se debatia, as mulheres me olhavam nos olhos, como que implorando que eu as esperasse, que aceitasse ajudá-las. Abri a porta do carro e elas socaram o rapaz para dentro. Ajeitaram-se no banco de trás, bateram a porta e partimos. Batimentos cardíacos acelerados.

Quando a mulher mais velha indicou o destino da corrida (Humaitá) o jovem protestou. Ele não queria ir para lá. Ficava repetindo, aos berros, que queria ir para casa, para Viamão, voltar para casa, para Viamão... As mulheres, uma de cada lado, segurando os braços do rapaz, tentavam convencê-lo que estavam fazendo o melhor para ele. Tranquei as portas do táxi e acelerei.

A mulher mais jovem estava indignada com o atendimento do hospital. Ao que parece, tinham machucado o rapaz na tentativa de contê-lo. Aos poucos, a situação foi se esclarecendo. No banco de trás estavam avó, mãe e filho. Insatisfeitas com o tratamento do rapaz, elas tinham resolvido levá-lo para casa, mesmo em meio a um surto.

A avó reclamava da medicação que haviam aplicado, que não estava fazendo efeito, que ia ministrar o remédio dela ao rapaz quando chegassem em casa. A filha mandava a mãe calar a boca, o filho gritava que queria ir para Viamão. Aquilo dava pinta de que não ia acabar bem.

Parei em uma sinaleira ao lado de uma viatura da Brigada Militar. Pensei em pedir ajuda. Cheguei a botar a mão no trinco da porta, mas desisti no último segundo. Resolvi dar uma chance aos três. Aos poucos, a medicação pareceu começar a surtir efeito. O rapaz foi diminuindo a gritaria. A agitação foi dando lugar à sonolência.

Chegando ao destino, tudo o que se ouvia no táxi era o choro contido da mãe. Quem visse os três saindo do táxi, em silêncio, poderia jurar que estava tudo bem. Eu sabia que não estava.

7 comentários:

Unknown disse...

Mauro. Consegui o nome do taxista que foi meu ex aluno. Vou te mandar um email.

De passagem: Piquet ou Senna?

Anônimo disse...

Taxista passa por cada uma...e com isso o cronista tem bons assuntos diariamente...

vidacuriosa disse...

Cada vez que eu leio ou sei de algo sobre esse tema, eu penso no que aconteceu algum tempo atrás quando foi modificada a política de acolhimento a deficientes mentais no hospital psiquiátrico São Pedro. A ideia era a de não mantê-los mais sob guarda e sim entregá-los às suas famílias.Não faço mais comentários porque até hoje nunca entendi direito o que aconteceu. Talvez algum psiquiatra me explique,para que eu não fique com a dúvida de que posso estar dizendo besteiras...

Clarice disse...

Algumas mentes mais sensíveis contemplam o mundo diretamente nos olhos do caos.
Quando um taxista é platéia e palco fica até bonito ler sobre a loucura e a dor.
Abraço.

ricardo garopaba E DO MUNDO blauth disse...

hoje usei um taxi e foi muito interessante em meio ao temporal......amanhã posto no blog...

Marilia disse...

Que coisa! Eu me comovo muito com esse tipo de situação porque passamos recentemente, minha família e eu, por problema semelhante (e que não terá fim)...
Adorei conhece-lo, conhecer seu blog e seu trabalho.
Sucesso!
Marilia

Dalva M. Ferreira disse...

Fala sério!