domingo, 6 de novembro de 2011

Sorte é para quem tem

A velhinha embarcou no táxi abatida. Estava saindo de uma sessão de hemodiálise. Ao longo da corrida, o taxista ouviu da idosa um relato de desesperança. Ela confessou que tinha pouco tempo de vida pela frente. Sem perspectiva de doação, devido à idade, restava-lhe apenas esperar que a morte lhe abreviasse o sofrimento.

Chegando em casa, dois jovens esperavam pela idosa em frente ao portão. Seus netos. Não deixaram que ela desembarcasse, precisavam da assinatura da avó, que ficara faltando em um empréstimo que estavam tirando em nome dela. Não adiantou a velha argumentar que estava cansada. Eles tinham pressa. O banco ia fechar.

Pediram que o taxista aguardasse em frente ao banco, seria rápido. Depois de conseguirem a assinatura, voltaram com a velhinha a tiracolo. Os netos desceram em um shopping depois de se despedirem da avó sem muita cerimônia. Nem um obrigado.

No caminho para casa o taxista perguntou à passageira se ela importava-se que ele parasse rapidamente em uma lotérica. Era o último dia para apostar na Mega-Sena. Ela concordou, inclusive pediu que ele marcasse um bilhete para ela também com números que lhe viessem à cabeça.

O taxista, que apostava toda a semana, fez o bilhete da passageira com números aleatórios, depois marcou seu próprio jogo, com os seus números de sempre, que já apostava havia anos. Pagou pelas duas apostas.

A velhinha beijou o taxista na despedida, como adivinhando que não viveria para uma próxima corrida.

Só mais tarde, o taxista notou que havia trocado os bilhetes: tinha ficado com a aposta da passageira. Ainda pensou em voltar à casa dela para desfazer o engano, mas achou melhor deixar que a idosa, por fim, descansasse. Ela não notaria a diferença mesmo.

O taxista, que trabalhava como empregado, deixou apenas um bilhete despedindo-se do patrão. Sequer levou o percentual da féria a que tinha direito. Mudou-se, desligou o celular e nunca mais foi visto por ninguém.

O dono da aposta premiada pediu à Caixa que não revelasse seu nome.

7 comentários:

Dalva M. Ferreira disse...

Perfeição! Mauro... não tenho palavras para dizer o tanto que eu te admiro.

vidacuriosa disse...

Sensacional. Um rápido retrato do desumano cotidiano e uma virada para o surreal mas não improvável. O destino se encarregou de impedir os abutres de se beneficiarem injustamente de mais uma mordida e dessa vez imensa em alguém a quem só se interessavam em tirar vantagem. Muito bom.

ORACY disse...

Desfecho ideal. Belo texto.

Anônimo disse...

Es la primera vez que vengo su tu "blogue."

Crei ? que en Brazil hablais espanol.

Hablas espanol tambien ?

Estoy de Lanaudière en Quebec - (Canada)

Marjo

Clarice disse...

Vizinho, se precisar de alguém pra segurar o copo de cerveja, ou atender o telefone, quaisquer dez salários mínimos e três mese de férias por ano, tô aqui.
Mais uma vez, muito bem contada.
Abraços.

Alexandre RJ disse...

Taxistas sabem de tudo! Agora até sabem os números da mea sena!

André Oliveira disse...

Muito boa companheiro, primeira vez que entro neste blog, gostei das histórias, aqui no Rio de janeiro comecei a blogar fatos da política, movimentos de taxistas auxiliares(que não possuem permissão e trabalham para outro taxista ou empresa) se quiser passa por lá TAXINFORME.BLOGSPOT.COM . Parabêns, fica o convite para publicar uma de suas histórias em nosso jornal, o fechamento da edição dia 07/12/2011 andre@taxinforme.com.br