domingo, 16 de outubro de 2011

A um passo da loucura

Tenho uma passageira que passou no vestibular este ano. Está cursando farmácia. Ela tem cerca de cinquenta anos de idade. Não pensem que ela está feliz.

Há muitos anos, a filha única desta minha passageira foi assassinada na saída da faculdade por dois bandidos que pretendiam roubar seu carro. Depois de muitos anos de análise, a mulher resolveu realizar o sonho que a filha deixou pela metade. Está estudando na mesma instituição de ensino, usando o mesmo material que a filha utilizava.

Mais de uma vez ela caiu em prantos no táxi a caminho da aula. Ocorre que, volta e meia, ela descobre alguma anotação que a filha deixou em seus livros, alguma cola perdida entre as folhas, o nome bordado no mesmo guarda-pó que ela usa. Esses pequenos detalhes reabrem a ferida que talvez nunca cicatrize.

Caso semelhante, porém um tanto mais grave, aconteceu com um passageiro, aparentemente normal, que carreguei esses dias. Ele pediu que eu entrasse com o táxi em um cemitério parque. Foi guiando-me pelas ruelas do cemitério até um local onde disse que estava a sua mãe.

O homem desceu do táxi, parou em frente a uma lápide que jazia no gramado e começou a chamar por sua mãe. Ele gritava, como se a mulher fosse ouvi-lo dentro do túmulo.

Eu tentei chamá-lo à razão, lembrei que precisava pagar a corrida, mas o passageiro ficou nervoso, pediu que eu esperasse, que sua mãe resolveria tudo, que ela sempre resolvia tudo.

Contando assim parece engraçado, mas a situação foi tensa. O homem falava sério, estava descontrolado. Ficou claro que não se tratava de uma brincadeira, de alguém que não queria pagar a conta. Tratei de fechar a porta do táxi e saí pela tangente. Pelo retrovisor ainda vi meu passageiro ajoelhando-se na grama, aos prantos, tentando comunicar-se com sua falecida mãe.

A dor de uma ausência leva a uma tristeza profunda, que fica a um passo da loucura.

10 comentários:

Dona Sra. Urtigão disse...

pobre humanidade...

Anônimo disse...

Estamos sempre festejando os nascimentos, mas nunca totalmente preparados para a morte. Morrer é parte da vida! Mas não nos conformamos com ela! E tem gente que faz das perdas, motivo de suas existências, o que não leva a nada, salvo quando às vezes é motivo para não pagar a corrida do taxi, ou servir de tema para uma crônica semanal!
Bom Domingo!

Fátima Rama disse...

o ciclo é obvio mas queríamos que fosse diferente, infelizmente temos que nos conformar.

Giane disse...

Oi, Mauro.

Com o tempo a dor da ausência de um Ente Querido, ameniza, mas não passa.
A maior homenagem que podemos prestar a eles é vivermos felizes da melhor maneira possível.
Mesmo que choremos de vez em quando.

Beijos mil.

vidacuriosa disse...

É triste. A morte é inevitável, lógico, mas os assassinatos repetidos me dão a impressão de que os responsáveis pela segurança são surdos, cegos e sem memória. Certamente a estudante não foi a primeira vítima daqueles criminosos e, se foi, certamente, não foi a última. Na luta por recuperar um único errado, ficam em liberdade centenas de delinquentes repetindo os assassinatos, repetindo os assassinatos, repetindo os assassinatos...

Clarice disse...

Cada um lida com isso de uma forma. Alguns não conseguem achar um modo de aceitar e se perdem em rezas, sacrifícios, promessas e isso demonstra a inabilidade do ser humano aceitar o inevitável.
Já reparou que no ocidente quem acredita em céu aceita menos a morte?
Viver cada dia como se não houvesse mais nenhum pela frente ajuda a viver melhor.
Beijos vulcânicos. cof! cof!

Maete Liv disse...

Não é todo mundo que lida bem com a morte. Eu sei por experiencia propria...

Gloria disse...

Lidar com a dor da morte é complicado, se ela for inesperada e violenta, mais ainda.É um vazio que não tem como preencher. Só o tempo para amenizar. Abraços

Diário Virtual disse...

Ai que triste....

Lídia Guimarães! disse...

É sempre complicado falar sobre morte, né?
Ainda mais quando se trata de uma pessoa próxima, filho, mãe, irmãos... dói mesmo... dói MUITO!

Mas sabe bicho... a morte é a única certeza que nós temos na vida, e com base nisso, eu concordo mesmo com o que Drummond já dizia: "A DOR É INEVITÁVEL; O SOFRIMENTO É OPCIONAL"

A morte dói muito.
Mas o sofrimento de usar o mesmo material que a filha por exemplo e ter que lidar com as anotações dela, a letra, o cheiro... tudo isso dói muito mais..infelizmente a mãe escolheu sofrer... =C



Há braços!
(: