domingo, 26 de junho de 2011

Último cigarro

Parado no ponto, o taxista olhava para a carteira de cigarro. A madrugada estava fria, o serviço parado. Aquela carteira andava rolando pelo táxi, ele jurara para si mesmo que seria a última - não compraria mais aquela imundice. O último cigarro da carteira parecia olhar para ele.
Um garoto chegou e perguntou se o taxista poderia levá-lo até o hospital Vila Nova. Não tinha mais de 10 anos. Um guri daquela idade, àquela hora na rua. O garoto jurou que tinha dinheiro, precisava ir ao hospital ver o irmão. Mesmo desconfiado, o taxista topou a corrida. Ligou o taxímetro e partiu rumo à Zona Sul. Seja o que deus quiser.
No meio do caminho o garoto começou a chorar. Disse que o hospital havia ligado para sua casa. Disseram que precisavam que um parente comparecesse urgente pois o paciente havia piorado. O garoto tinha certeza que o irmão, que estava entre a vida e a morte, havia morrido. Ele era seu único parente. Estava levando a melhor roupa do irmão, precisava vesti-lo. Precisava providenciar o enterro.
Antes que o taxista tivesse tempo de falar, o menino puxou uma arma de dentro do casaco. O revólver brilhou no escuro do táxi. Com o coração disparado, o taxista quase perdeu o controle do carro. O garoto disse que seu irmão usava aquela arma para assaltar. Era assim que levava dinheiro para casa. Mas ele não queria o mesmo destino, estava estudando, queria uma vida decente. Ofereceu a arma ao taxista para pagar a corrida. Havia mentido: não tinha dinheiro para o táxi. Muito menos para o enterro.
O taxista levou o garoto mesmo assim. O resto da corrida transcorreu sob um silêncio pesado apenas entrecortado pelo choro discreto do pequeno passageiro. Em frente ao hospital, o taxista desejou boa sorte ao menino. Estava tudo bem, não precisava pagar a corrida. Aconselhou que ele entregasse a arma para o governo, renderia algum dinheiro. Foi tudo o que conseguiu pensar naquele momento.
Enquanto o garoto entrava no hospital, o taxista acendeu o último cigarro que fumaria na vida.

8 comentários:

Papo em Aberto disse...

Muito boa, decisões difícis nos levam a caminhos inesperados, uma lição que aprendemos, nem tudo que re-luz é ouro (neste caso era uma arma), mas a bondade está no coração do ser humano, e vejo duas lutas semelhantes em sua crônica. Uma do homem querendo fugir de um vício, e outra do menino fugindo do destino.

**** disse...

Só posso dizer uma coisa: putaquepariu!!!!
Fortíssimo!

Caminhante disse...

Só posso dizer uma coisa: putaquepariu!!!!
Fortíssimo! [2]

Anônimo disse...

Nossa! Comovente... imprevisível... como a vida é, muitas vezes. Parabéns.

Anônimo disse...

Nossa! Comovente... imprevisível... como a vida é, muitas vezes. Parabéns.

Anônimo disse...

Muito bom texto. Não importa se basiado ou não em fato real.

Clarice disse...

Quando os adjetivos terminarem o que eu vou dizer? Que quando crescer quero escrever assim?
Beijos brrrrr gelados.

eduardo garcya disse...

Muito bom Mauro!
A VIDA sempre nos prega essas peças...mesmo que diante à EMINENCIA da morte.


EDUARDO GARCYA