domingo, 22 de maio de 2011

Um segundo na vida

O taxista pegou o táxi na sexta-feira pela manhã - ele era folguista, trabalhava aos finais de semana. Com o feriado prolongado, teria três dias inteiros para ficar com o carro, fazer o horário que bem entendesse. Como estava apertado de dinheiro, resolveu que aproveitaria ao máximo o tempo que tinha para faturar.
Como se pretendesse entrar para o livro dos recordes, o taxista trabalhou como um louco, direto, dia e noite. Fazendo refeições rápidas, tirando pequenos cochilos dentro do táxi, tomando muito café preto. Sexta o dia todo e a noite toda, sábado a mesma coisa. Quando deu por si, o domingo já estava prestes a raiar e ele ainda não tinha desligado o taxímetro.
Depois de levar uma corrida ao Partenon, o taxista vinha pela avenida Ipiranga, que estava vazia àquela hora da madrugada. Ao avistar, ao longe, o sinal aberto, na esquina da avenida Silva Só, ele pressionou levemente o acelerador do táxi. Essa foi a última coisa que fez antes de pegar no sono.
Quando acordou, depois do estrondo, viu as luminárias da avenida passando pelo para-brisa. O carro estava apontando em direção ao céu, girando no ar. Houve um segundo de silêncio que durou uma eternidade. Os olhos arregalados do taxista olhando para as luzes acesas. Ao fundo, o céu azul já quase claro do amanhecer, salpicado com as últimas estrelas da noite. O taxista sentiu, naquele único e interminável segundo, que o pior ainda estava por vir.
O cochilo ao volante durou uma quadra inteira. Quando bateu contra o meio-fio e levantou voo, o táxi já estava na esquina da avenida Ramiro Barcelos, em alta velocidade. Depois de ser projetado para cima, o carro caiu contra o asfalto e atravessou toda a pista rodopiando, só parando quando chocou-se contra um poste, o que o impediu de cair no arroio Dilúvio.
Perda total do veículo. A roda dianteira parou sob o banco do motorista, o teto torceu, as portas trancaram. O taxista, por milagre, saiu praticamente ileso por uma das janelas. Com a pane do sistema elétrico do carro, o taxímetro, enfim, desligou.

17 comentários:

Anônimo disse...

Linda narração! Lindo texto! Péssimo exemplo de taxista! Colocando a sua vida e de terceiros em perigo real. Forte abraço

Renato M, disse...

Adorei o texto, grande Mauro. Aquele abraço!

Roberta AR disse...

Podemos colocar um texto seu no Facada esta semana? Quer sugerir algum? (eu não falo nada, mas sempre passo por aqui) bj.

Bete Nunes disse...

A vida de alguém poderia ter dado Perda Total. Sinto pelos que morrem ou ficam prejudicados pelo resto da vida por culpa de motoristas irresponsáveis, sejam de táxi, de caminhão, de ônibus, partuculares, o que for.

Bete Nunes disse...

correção: particulares. Esqueci de dizer: o texto é ótimo, bom para pensar no assunto.

**** disse...

Que pena que a gente tenha de se matar por algo tão desprezível, como o dinheiro.

Fátima Rama disse...

muito profundo!

Clarice disse...

Caracacas!
Vi a cena em câmera lenta, acredite. Como passageira de uma motorista adormecida li sem respirar.

Muito envolvente o escrito. Quanto dura um segundo depende de quem dirige e de quem escreve.
Abração.

Edgar disse...

Por um momento achei que o taxista fosse acordar no final e perceber que tudo não passou de um sonho. Gostei do texto.

Adriano de F. Trindade disse...

A conta é simples. Será que o que ele faturou no fim-de pagou a perda total do carro? Não, né? Logo, ele fez um péssimo negócio, como se isso não fosse óbvio.
Que sorte de ter saído vivo, poderia ter entrado embaixo de um caminhão e não ter mais acordado.
Ótimo texto, pra variar.

João Gilberto Saraiva disse...

Não tem jeito, mesmo que não se queira uma hora ele para, por vezes, de forma trágica.

Como o Adriano disse: ótimo texto, pra variar.

Anônimo disse...

Oi trata-se a 1ª vez que vi a tua página e adorei tanto!Espectacular Trabalho!
Adeus

Evandro disse...

tõ sempre falando pra galera ñ vale á pena é muito horário.se gasta o dobro com a saúde sem falar na família q sofre junto.
abraço Evandro

Giane disse...

Oi, Mauro!

Òtimo com os textos e sensato na profissão como sempre.

Beijos mil!!!

Eliana disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Dalva M. Ferreira disse...

Muito bom. Uau!

Anônimo disse...

infelizmente,as pessoas ficam cegas quando se trata dinheiro, ainda bem que foi só dano material.