domingo, 6 de março de 2011

O sambista alemão

Marino era um taxista esporádico. Como ele mesmo costumava dizer: trabalhava no táxi quando não tinha "coisa melhor para fazer". As coisas melhores a que ele se referia eram alguns bicos como flanelinha, apontador de jogo do bicho, auxiliar de pedreiro...coisas desse calibre.
Marino era miúdo, olhos claros, cabelos loiros pelos ombros. Tinha esse apelido por lembrar um antigo ídolo da luta livre, o Ted Boy Marino. Mas, apesar dessa ascendência alemã, a grande paixão do Marino era o samba, o carnaval. Era envolvido com uma escola de samba, fazia parte da bateria, tocava tamborim, se não me engano. Usava sempre calças e sapatos brancos, como convinha aos bons sambistas da gema.
Quando estava mal de dinheiro, Marino procurava o dono de um táxi, para tirar umas folgas e sair do buraco financeiro.
Certa vez, cheguei a um posto para abastecer, de manhã bem cedo. O táxi que Marino trabalhava estava encostado em um canto, com as portas abertas e as pernas do taxista penduradas para fora. O frentista disse que ele tinha chegado podre de bêbado, que tinha caído no sono ali mesmo.
Pensei em chamar o dono do táxi, meu conhecido, que morava perto e devia estar preocupado com o atraso do motorista, mas, antes, resolvi ajudar Marino a se recompor. Depois de alguns tapas com água gelada na cara, ele finalmente despertou. Enquanto tomava um café preto bem forte, confessou que tinha passado a noite no ensaio da escola e que a bebedeira seria culpa de uma certa morena muito linda e pouco fiel. Coisas da vida, meu caro.
Isso aconteceu há muitos anos. Não o via desde então, até que parei, dia desses, em um sinal fechado. Marino estava entre os indigentes que estavam sendo expulsos da frente de uma loja que precisava abrir suas portas. Apesar de barbudo e maltrapilho, sua figura era inconfundível. Mesmo em meio à sujeira, conservava as calças e os sapatos brancos, lembranças do sambista que, talvez, ainda more nele.

14 comentários:

Anônimo disse...

Boa Mauro! Pobre do Marino! Que fim triste! Mas hoje é Carnaval!

Delafonte disse...

Marino é um jogador que não entrega os pontos. Ele aposta numa convicção invisível conforme teoremas inspirados pela brisa da madrugadas nas ruas.

Espero ver o blog do Marino qualquer dia desses. Porque certamente ele tem uma vida mais interessante do que muita gente.

Liana disse...

Marino era um fanfarrão, isso sim :P

**** disse...

Que pena que a vida maltrate tanto quem só quer viver.

Caio disse...

"Quem perde sai, fica só quem sabe jogar(...)"

Anunciação disse...

Alcoolismo é uma doença terrivel.

Thai Nascimento disse...

Ô, Marino, foi cair na conversa da morena?

vidacuriosa disse...

A vida não é um faz-de-conta como eram as lutas do Ted Boy. Mas torço para que o Marino tenha forças pra se recuperar e criar enfim uma história decente para alegria dele e de sua família.

Clarice disse...

Vida de malandro só fica bonita no cinema, ou contada por você. Na real, quem não planta...pede esmola ou entra pro bolsa família.
Abraço e boa terça-feira gorda. Ainda se usa falar assim?

Bete Nunes disse...

É..., o vidacuriosa tem razão. A vida é uma luta de verdade. Pobre Marino.

Anônimo disse...

É, a malandragem até pode pegar bem na literatura, na música e na poesia, mas na vidinha nossa, essa daqui, a malandragem não está com nada. Deixa marcas bem tristes. O tal Marino que o diga!!
bjsssssssss

DÉBORA disse...

Ê saudade de passar por aqui!
Abraços

Caceres disse...

Que chato ver alguém parar numa situação dessa. Tomara que aquele sambista acorde e aproveite essas vivências para transformar a lágrima fria em música, de maneira que ele consiga mandar, cantando, sua tristeza embora.

Leci Irene disse...

Que foi o culpado, por Marino estar assim tão abandonado? Sambou demais ou foi alguma morena?