domingo, 30 de janeiro de 2011

O limite da vida

Chego ao meu ponto de táxi antes de amanhecer. O lugar está vazio e o telefone está tocando. Corro para atender. Uma mulher com voz preocupada passa o endereço e pede que eu tenha pressa. Ela diz que está acudindo uma vizinha, precisa de um táxi para levá-la ao hospital.
Chegando ao endereço indicado, encontro a mulher no meio da rua, acenando aflita. Fecho o táxi e entro em um pequeno prédio. A mulher vai na frente, explicando que sua vizinha do primeiro andar está com dificuldades de respirar. Entramos pelo apartamento modesto. A vizinha leva-me até o quarto, onde uma senhora esta deitada. Ela está pálida, suando, o abdômen sobe e desce, parece não encontrar oxigênio. Está agonizando.
Percebo que não conseguirei tirá-la dali: a mulher não caminha, fala com dificuldade, é pesada. Ligo para o 192.
O socorro chega em poucos minutos. Ajudo os socorristas da SAMU a levar a mulher até a ambulância. Nós a carregamos suspensa em um lençol, como se fosse uma rede, pois a maca não coube no corredor. Antes de chegar ao veículo, a paciente para de respirar. Não se debate mais, seus olhos fecham, seu queixo cai. Percebemos o que aconteceu e apuramos o passo.
Com a paciente já dentro da ambulância, os esforçados (heroicos) paramédicos começam procedimentos de ressuscitação. Eu e a vizinha da mulher ficamos na calçada, atônitos, sem o que dizer. O dia está amanhecendo, o silêncio do bairro é interrompido pelos bipes dos aparelhos da UTI móvel. O veículo balança com a força da massagem cardíaca. Depois de alguns minutos, que parecem uma eternidade, a mulher volta a respirar.
Com a paciente estabilizada, a ambulância parte veloz, com suas luzes piscantes. Volto para meu táxi e parto também. Rodo devagar, tentando absorver tudo o que vi. A essa altura, o sol já brilha forte, aos poucos as ruas acordam e a rotina me abraça. Mas esse não será mais um dia qualquer: o dia em que socorri alguém que estava no limite da vida.

14 comentários:

Thai Nascimento disse...

Que situação, viu? Não sei o que eu faria... Mas geralmente em situações de pânico eu fico paralisada, completamente.

Delafonte disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Delafonte disse...

A cidade é viva e pulsante nessa postagem. A cidade e suas luzes, luzes da madrugada, o giroflex luminoso da ambulância. A mulher voltando à vida nas mãos do paramédicos

Ser escritor é isso (...eu acho). Ora a gente se faz observador, ora se rende à realidade que nos cerca.

Rud disse...

Agruras e satisfações, tudo junto e misturado. Essa é a nossa vida. Mas uma coisa que me deixa encucado. Porque será que as pessoas acham que taxistas são necessariamente socorristas?

Felipe Tazzo disse...

Olá, Mauro,tudo bem? Não exerça sua humildade neste momento. Você também foi herói na vida dessa senhora. Talvez se não fosse você lá naquele momento o destino daquela senhora fosse outro.

ORACY disse...

Mauro, já passei por uma situação dessas, só que a pessoa não resistiu e aí veio um turbilhão de emoções. A vida nos prega peças.
Parabéns pelo artigo.

Hugo de Oliveira disse...

Nossa...que situação.
Eu sou bem elétrico, acredito que iria ajudar no que podia...Mas, depois eu fico horas pensando no fato ocorrido. Me envolve muito essas coisas.

abraços
de luz e paz

vidacuriosa disse...

O sol já brilhava ontem quando saí para comprar o leite especial do meu neto Rafael. A farmácia ainda estava fechada e otimizei o tempo indo até uma banca de jornal. Abri o Diário Gaúcho na penúltima página, como sempre, e fui lendo e caminhando, caminhando e lendo. Prendi a respiração durante a leitura do miniconto. Respirei aliviado no final. Parabéns pelo texto e pela boa ação. Parabéns também ao pessoal do Samu.

Dona Sra. Urtigão disse...

Fico sempre encantada e emocionada quando venho aqui. parabens, pelo texto e atitude. Conheci gente que simplesmente viraria as costas por não se tratar de sua função"

Clarice disse...

Mauro, não deve ter sido a primeira vez, nem será a derradeira, me aventuro a afirmar. E de tudo sobrou alguma lição para quem leu teu relato. Para refletir sobre a fragilidade e fortaleza.
Afinal, essas coisas de socorrer doentes um dia podem mudar a vida das pessoas e até virar casamento, não é?
Abraço aos três.

Anônimo disse...

Mauro,

olha só o TEXTO que eu ia perdendo! Partindo do amigo que conheço, o gesto foi muito natural e previsível, embora raro nos dias de hoje!
Parabéns por nos brindar com boa literatura, e histórias humanas e verdadeiras do dia a dia de um escritor e nas horas vagas, socorrista e taxista! srsrs

Navegando-nas-palavras disse...

Mauro, além de seres um ótimo escritor, és um ser humano incrível. Graças a ti comecei um blog e ontem, depois de 4 anos voltei a postar.
Parabéns pelo texto límpido e belo.
Abraços
Maria do Carmo

Vai de Táxi! disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Vai de Táxi! disse...

SuperMAURO

UAu
Que começo de dia heim.
Muito bom, Salvar uma vida, e, Parabéns pelo texto, sempre excelente.

=D
ABraços