Carnaval de 1986. Eu estreando na praça. Meu táxi era uma fusqueta toda baleada. Uma fila enorme de táxis na Avenida Borges de Medeiros esperando o estouro do desfile das escolas de samba, que acontecia ali atrás do Centro Administrativo. Eu finalmente chegando na ponta. Aquela multidão de foliões dispersando, cansados, arrastando suas fantasias, os táxis saindo um a u m, até que cheguei na ponta. Sou o carro da vez.
domingo, 27 de março de 2022
O mapa no retrovisor
A dor infinita do Quintana de não ter passado por tantas ruas de Porto Alegre, tanta gente que não conhece além do seu bairro, do seu apartamento, a imaginação entre quatro paredes. A cidade é tão diversa, tão cheia de reentrâncias, qual o mapa do poeta. Muito além dos pontos turísticos, o alto dos morros, a zona rural, a orla pra lá de Ipanema, a cidade invisível (que nem em sonhos sonhei), as quebradas da periferia. O táxi tem trânsito livre pela cidade de fato, a cidade real, crua e encantadora. A ideia de fotografar pelo retrovisor é mostrar o que passou, o que o táxi deixa para trás (poeira ou folha levada), enquanto o taxista procura ganhar a vida. A imagem refletida no espelho e além dele, o que está por vir, neste Porto quase sempre Alegre.Cidade do meu andar
(Deste já tão longo andar)
E talvez de meu repouso
quarta-feira, 16 de fevereiro de 2022
Temos uma farmácia ao lado do nosso Ponto de Táxi. Fila o dia inteiro pra fazer teste COVID. Uma loucura. Há pouco, chego no ponto e tem um magrão fazendo uma transmissão, gravando um vídeo, sei lá. Ele segurava o celular na altura do rosto e falava com o aparelho. No exato momento que eu parei ele dizia todo animado:
quinta-feira, 6 de janeiro de 2022
Tô com dor de garganta, sintomas gripais. Fui no Postinho. Resultado do exame COVID sai em 3 dias. Fico em casa, por enquanto. Pra aliviar o coração, fiz um teste rápido de antígeno. Não reagente. Deve ser mesmo só a garganta. Mas o que eu quero contar é outra coisa.
segunda-feira, 1 de novembro de 2021
O homem mais feio do Brasil
A Rede Globo entrou em contato comigo. Primeiro por e-mail, pediram telefone e tal. Pensei, Rede Globo! Uau! Gente! Era a produção do programa Amor & Sexo. Eu pensei, bah, tô arrasando muito! Fernanda Lima, Rio de Janeiro, cachê, tudo pago, carro esperando no aeroporto! Gente, finalmente reconheceram meu talento! Passei telefone, endereço, CPF, data de nascimento, senha do banco, tudo! Pode me ligar, pelamor dedeus!Do outro lado da linha, a produtora do programa, cheia de dedos, escolhendo as palavras. Eles estavam produzindo um quadro chamado "o homem mais feio do Brasil", quadro que era comum no Programa do Chacrinha, mas que foi, por óbvio, abolido. A ideia era justamente provocar a discussão sobre a ditadura do politicamente correto. Enfim.
Mas por que eu?
Eles precisavam de homens feios. A ideia inicial foi o Fabrício Carpinejar, mas o meu amigo alegou não ter agenda (tá bom). Segundo a produtora, o Fabro teria me indicado, por conta de um texto meu publicado no jornal com o título "a arte de ser feio". Perfeito! Alguém inteligente o suficiente pra escrever uma crônica e burro o suficiente pra pagar esse mico em rede nacional (ela não me disse isso, claro). E lá fui eu pro Rio de Janeiro, andar de carrinho de golfe pelo Projac. Embaixo do braço, uns exemplares do meu livro, que eu ia distribuindo pelas redações dos programas. Tá valendo!
Agora, fiquei sabendo que o Carpinejar será o patrono da Feira do Livro de Porto Alegre. Nada mais Justo! Por certo, ele deve ter aceitado. Mas fica a dica, pessoal: caso o Filhote de Cruz Credo, por algum motivo, sei lá, uma diarréia mental espontânea qualquer, resolva não comparecer, já sabem: O FCC (Fabrício Carpinejar Cover) está aqui de bobeira, louco pra posar de escritor
quinta-feira, 30 de setembro de 2021
Isso a Globo não mostra
domingo, 19 de setembro de 2021
segunda-feira, 23 de agosto de 2021
sábado, 17 de abril de 2021
quinta-feira, 5 de novembro de 2020
Transportei agora há pouco uma menina muito corajosa. Uns três aninhos de idade, cabelo ralo e olhos brilhantes. Ela viajou sentada no colo da mãe, agarrada a um unicórnio rosa. Estavam indo para o Hospital da Criança Santo Antônio. Quando a mãe confirmou que ela teria que levar um "pique", a menina disse que estava com medo, mas segurou o choro, a voz embargada, apertou o unicórnio contra o peito. A mulher me explicou que a filha está vencendo uma leucemia, que está lutando bravamente, mas as coletas de sangue são um problema. A pequena Isabela disse que seu unicórnio chama-se "Patas Brilhantes" e que ele também tem medo de pique. Confessei a ela que também tenho, todos tem, que não há problema em sentir medo. E inventei uma história sobre o poder de cura do chifre espiral dos unicórnios, e por um instante ela parece ter esquecido que estava indo para o hospital. Pelo resto da viagem, brincou de espetar a mãe com o pequeno chifre de pelúcia do Patas Brilhantes.
domingo, 20 de setembro de 2020
sexta-feira, 28 de agosto de 2020
Meio da manhã, um homem chega até meu táxi antevendo o caminho com uma bengala de alumínio. Um deficiente visual. Ele pede que eu toque até uma esquina específica do bairro Santana. Durante a corrida, ele pergunta se posso esperá-lo por um tempo, depois trazê-lo de volta. Claro. Ao chegarmos no ponto indicado, ele pergunta se estou avistando uma ameixeira, bem na esquina. Ele pede que eu estacione o táxi embaixo da árvore. Paro na sombra da ameixeira. Ele pede que eu desligue o rádio e abaixe um pouco o vidro da janela do seu lado. Ok. Ele não fala nada. Ficamos assim por um tempo. Nada acontece. Dou uma espiada. Por baixo dos óculos escuros, meu passageiro está com os olhos fechados. Penso que ele pode ter pegado no sono. Quando decido falar alguma coisa, o homem começa a sorrir. Primeiro um sorriso discreto, que logo se alarga. O homem cego está rindo. Não contenho a curiosidade:
segunda-feira, 10 de agosto de 2020
Passageira tri interessada no meu livro, vinte pilas, leu uma história, gostou, quase comprando, paramos na esquina da Ipiranga com Silva Só. Um piá vendendo morango. QUATRO BANDEJAS POR VINTE! QUATRO BANDEJAS POR VINTE! Ele gritava. Chamou a atenção da minha cliente. Levantou os olhos do livro, olhou os morangos. Senti o drama. Comentei que estão caros, "dia desses estavam quatro por dez". Mas ela interessada, e o guri gritando: QUATRO BANDEJAS POR VINTE! QUATRO BANDEJAS POR VINTE! A mulher chamou o guri dos morangos, largou o livro. Eu falando dos agrotóxicos, da seca que não adoçou as frutas, das bandejas com vírus. Nada, a mulher analisando os morangos na janela do meu táxi. O piá insistindo aos berros: QUATRO BANDEJAS POR VINTE! TÁ BARATO! QUATRO BANDEJAS POR VINTE!
terça-feira, 7 de abril de 2020
domingo, 8 de setembro de 2019
- Sim, eu percebi.
- Estamos muito longe da Capital? A que horas o senhor chega em Porto Alegre?
- Porto Alegre? Eu estou seguindo em direção a fronteira, Porto Alegre fica a 300km, no sentido contrário!
domingo, 24 de fevereiro de 2019
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Ter uma drag queen se desmontando no banco traseiro é uma experiência pela qual todo o taxista deveria passar.
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Se você está saindo do Barra shopping, iPhone na mão, sacolas da Zara penduradas no braço, óculos de grife prendendo o cabelo platinado, dando mó pinta de burguesa, se você é essa pessoa: não pergunte ao taxista se ele "faz preço de Uber". Não faça isso, madame
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- Dez reais.
- Meu anjo, acho que você não vai caber. Talvez um táxi maior...
- O senhor reclina um pouco o encosto, abre bem a porta, eu me ajeito.
- O anjo não parece bem?
- Porque acha que estou pegando seu táxi? Preciso ir até uma pet shop que tem na rua Santana.
- Pet shop?
- Conheço o veterinário de lá, ele há de me ajudar.
- Algum problema?
- Minha asa direita. Acho que quebrei alguma parte dela, preciso examinar.
- Numa pet shop?
- Bom, é uma asa, o taxista notou que sou um anjo. A medicina para humanos não ensina a lidar com asas... Conheço o veterinário daquela pet, ele já me atendeu outras vezes.
- Como conseguiu quebrar a asa?
- Caí de uma goiabeira. Uma mulher lá me confundiu com outra pessoa, me atrapalhei. O senhor sabe, anjos caídos... vivemos caindo mesmo.
- Sei.
- Semana passada caí da bicicleta.
- Bicicleta?
- Eu comprei uns fones de ouvidos, desses grandes, sabe, potentes, JBL, pedalar com fones é um perigo, não percebi um carro se aproximando por trás, ele não chegou a bater em mim, só o susto mesmo, mas caí. Isso de cair parece uma sinal. Melhor seria ter ficado no céu.
- Taí a pet shop. O anjo tem grana pra pagar o táxi?
- Aceita cartão? BanriCompras?
- Banrisul?
- Tenho Visa também, mas é crédito. Dá pra dividir em três vezes?
- Certo. Tá ruim pra todo mundo.
- Ô.
A jovem esposa de motorista de aplicativo, que busca amainar sua solidão nos braços de um taxista. Uma história carregada de ironia, paixão e verdade, mas que não convém contar.
domingo, 17 de fevereiro de 2019
terça-feira, 1 de janeiro de 2019
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- Sim.
- Pois eu também escrevo. Escrevo mensagens, sabe, mensagens positivas, as verdades da vida, coisas lindas, pra cima.
- Humm.
- Mas esse seu livro é sobre o quê? São tipo piadas de taxistas?
- Não exatamente.
- Histórias depravadas? Os taxistas me contam cada coisa! Rola muita sacanagem, não é? Já namorei um taxista, sei como é...
- Não diga.
- Eu escrevo mensagens, lindas mensagens, mando pro amigos no Facebook. O senhor tem Facebook?
- Não senhora.
- Que pena.
Alguém empresta uma arma?
- Pois então. Aqui estou!
- O senhor é taxista? Esse é um táxi?
- É um táxi. E novinho em folha!
- Branco? É o mesmo preço do outro?
- Mesmo preço, normal, é a nova cor.
- Pois não.