domingo, 29 de julho de 2018

TAXISTA
tu te tornas eternamente responsável pelo passageiro que adicionas no Whats°
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A quem interessar possa
- Meu marido eu conheço bem. Sempre foi namorador, não vai mudar depois de velho. Sei direitinho quando tá saindo com alguma sirigaita.
- Como a senhora sabe?
- Ele começa a ouvir boleros e corta as unhas dos pés. Ligou o toca-disco e cortou os cascos, eu já sei: tá saindo com alguma puta. Hora de eu me divertir também.
A passageira acaba de desembarcar no Baile da terceira idade, Clube dos Namorados, fundos do antigo estádio Olímpico. Amantes da dança de salão é só chegar.
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Japonês usando um sobretudo pesado, cachecol enrolado até o nariz, luvas, gorro de lã e segurando um celular faz sinal para o meu táxi. Ele embarca morrendo de frio e (para não tirar as luvas) me passa o smartphone para que eu cancele o Uber perdidão que não consegue localizá-lo em plena avenida Oswaldo Aranha.
- Com todo prazer.
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Senhorzinho de bengala, chapéu de feltro, vestindo paletó, calça de pijamas e pantufas faz sinal para meu táxi.
- Avenida Sete, por obséquio, altura do Cine Presidente.
- Cine Presidente? não conheço.
- Um chofeur de praça que não conhece o Presidente, faça-me o favor!
- O senhor está se sentindo bem?
- Toque para o Centro, Baixada Bageense, eu lhe mostro onde fica o Cine Presidente.
- Baixada Bageense...
- O senhor não conhece nossa cidade? Não é de Bagé? Cine Presidente, estão exibindo o novo filme do Mazzaropi.
- Bagé??
Nisso, aparecem dois homens correndo, vestidos de branco dos pés à cabeça. Enfermeiros. Eles abrem a porta do táxi, abordam o idoso com cuidado. Pedem desculpa, conduzem "seu Juvenal" de volta à clínica geriátrica. Alzheimer.
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Você que estava, agora pela manhã, na Siqueira Campos e viu uma mulher nua sair correndo de dentro do meu táxi, deixe eu explicar o que aconteceu.
Caía uma chuva de proporções diluvianas no bairro Menino Deus quando uma mulher veio correndo em direção ao meu táxi. Sem guarda-chuvas, toda molhada, pingando horrores. Ela não embarcou, pediu que eu baixasse o vidro. Explicou que fora acometida de forte e repentina diarréia, que o pior havia acontecido, que estava toda suja, tinha feito cocô nas calças - mesmo pela pequena fresta da janela, era possível sentir o cheiro nauseabundo. Ela precisava ir para casa, não tinha como embarcar em um ônibus fedendo daquele jeito. Era uma situação delicada, além de completamente ensopada, suja de merda!
- Mas como é que vai ficar o meu táxi? - Ponderei.
A mulher, então, jogou sua bolsa dentro do meu carro e foi em direção à esquina da Getúlio Vargas onde uma calha despejava uma quantidade enorme de água da chuva. Enquanto caminhava, ela ia tirando a roupa. Peça por peça, uma a uma, de modo que já chegou embaixo da calha completamente nua. Peladona total!
Lavou-se toda na forte torrente que caía da calha. Depois de absolutamente limpa, retornou ao meu táxi torcendo o cabelo, serena, absoluta, como quem caminha pelo corredor de sua casa. Sequer perguntou se podia embarcar. Ignorando minha cara de assustado, minha boca aberta, acomodou-se no banco traseiro e ordenou que eu tocasse para o Centro.
- Siqueira Campos, por favor.
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ACHADOS E PERDIDOS
atenção você, loira de cabelos curtos, que pegou meu táxi por volta de 17h, saindo de uma creche da rua Botafogo com uma criança pela mão, você que deu um tablet para a criança parar de "incomodar" e, quando ela pegou no sono, colocou o tablet sobre o banco, em segurança, pois o tablet é "caríssimo" e é o segundo que sua filha quebra. Você não deu falta de nada ao chegar em casa??
Você esqueceu sua filha no meu táxi. Ela acaba de acordar e está chorando, sentindo falta... Do tablet.
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Saindo de um bar da Salgado Filho, uma mulher com uma perna engessada e um travesseiro embaixo do braço faz sinal para meu táxi. Paro. Quando percebo que está bêbada, já é tarde, ela já está com os cotovelos apoiados na lataria do carro, tenho tempo apenas para trancar as portas. Ela pede que eu abaixe o vidro. Abro uma fresta. Ela pede que eu a leve até a Andradas, diz que, chegando lá, o "cachorro" do marido dela pagará a corrida. Nego-me a abrir a porta. Ela explica que o marido é um ordinário, traiu-a com a advogada que está cuidando do inventário dela... uma conversa fiada. Enquanto fala, finge secar as lágrimas enfiando a cara no travesseiro. Eu apenas digo não, não, não. Ela insiste, enfia o braço pela fresta da janela, quer me mostrar o WhatsApp, a conversa do marido com a advogada, diz que é herdeira de uns terrenos na praia do Pinhal... O que eu quero saber de terreno no Pinhal?! Digo que ela está bêbada.
A mulher, então, fica séria.
Agora está ofendida. Ela me olha nos olhos, cerra os dentes, sou só mais um cachorro como todos os homens. Propoe-se a provar que não está bêbada:
- Vou fazer um "quatro".
- Um quatro?
- Vou te mostrar se estou bêbada, taxista de merda.
- Tu não consegues fazer um quatro - incito.
- Vou te mostrar. Vou fazer um quatro.
Ela foi tirando o braço de dentro do táxi, se ajeitando, respirando fundo, juntando seu ódio, se alinhando, jogou o travesseiro longe. Aquele "quatro" agora parecia ser uma questão de honra. Quando ela finalmente se desencostou do táxi, engatei a primeira marcha e parti.
Game over.

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