domingo, 11 de março de 2018

Osvaldinho era um colega nosso metido a valente. Taxista da antiga, bigodinho canastrão, palito no canto da boca, corpanzil de troglodita. Carregava um taco de beisebol sobre o painel do táxi, canivete, dizia que fazia e acontecia. Todos temiam o Osvaldinho. Acontece que ele se envolveu com uma cozinheira de um boteco vizinho ao nosso ponto. O namoro ia bem, até que a esposa do nosso colega descobriu e apareceu aqui montada num porco.
A mulher do Osvaldinho tinha menos de metro e meio, mas continha a ira de um furacão. Foi até o boteco, rodou a baiana, enfiou o dedo na cara da baranga que deu mole pro seu marido, quebrou os pratos e voltou para o ponto cuspindo fogo. Osvaldinho apanhou na cara, chorou, foi levado para o táxi puxado pela orelha, deixou o campo sob vaia dos colegas. Coisa mais feia!
Voltou uma semana depois com o rabo entre as pernas, orelhas murchas e a cara limpa - segundo consta, a mulher teria tirado seu bigode a tapa. Eu não duvido.
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Passageira indignada com o atendimento que seu irmão está recebendo em um hospital público, desabafa com o taxista:
- Meu irmão precisando de equipamentos, de respirador, de oxigênio, de monitoramento... o senhor sabe o que tem no quarto dele?
- O quê?
- Um crucifixo.
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Acaba de desembarcar do meu táxi um político das antigas, secretário de estado no governo Olívio Dutra. Lembrou-se de uma corrida que fez comigo naquela época (fim do século passado), de ter comprado meu primeiro livro. Bons tempos.
Quatro volumes depois, voltou a comprar o TAXITRAMAS, continua apaixonado por literatura. Política: nem pensar. Evita o assunto. Morando na praia, contou que dedica-se agora ao futebol de mesa. Jogo de botão! Viaja, participa de campeonatos, compra, vende e coleciona botões raros.
Foda-se Futebol Clube.
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Passageira zen budista, flores no cabelo, ying, yang, recitando mantras, posição de lótus no banco traseiro, o táxi inundado de paz, clima contemplativo, eu respirando fundo, o trânsito parado, tudo parado, ponto morto, tudo zen, aroma de patcholi, oiinnnn, sentindo a vibe, tocou um Bob Marley no rádio, o universo em comunhão, relaxa, respira, segue o fluxo, zen, tudo é harmonia, nirvana. De repente um estouro:
BLAAM!
Um motoqueiro passou entre os carros e levou meu retrovisor por diante. Abri o vidro do táxi, xinguei, filho da puta, safado, mandei à merda, o motoqueiro parou, encarou, chamei de corno, ofendi, ele puxou uma arma, o motoqueiro tava armado! O tempo fechou, calibre 38, nublou, relâmpagos, trovões, o motoqueiro apontou pra mim, eu fechei a janela, me encolhi, o motoqueiro irado, eu em pânico, o dedo no gatilho, o sinal abriu, um caminhão buzinou, eu encolhido, o motoqueiro guardou a arma, me chamou de corno, me mandou à merda, tudo bem, tudo bem, caminhão buzinando, começou a chover, o trânsito andou, o motoqueiro partiu, soltei a respiração.
Nada mais de budismo, que se dane, pro inferno o equilíbrio cósmico, Gandhi, meditação, fluxo, Bob, já era, deu, eu só pensava em acabar aquela maldita corrida pra trocar minha cueca.
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Pálido, cabelo ralo, muito magro, o paletó sobrando nos ombros, dois furos extras na cinta. Meu passageiro parecia mal. Contou que estava indo para o hospital cumprir (com sorte) os últimos 2 meses dos 6 que os médicos lhe deram de vida. Interessou-se pelo meu livro. Ofereci-lhe de graça, mas ele teve outra ideia. Pagou-me o dobro do valor.
- Não estarei aqui para o lançamento do seu próximo livro, então já deixo pago um exemplar. Só prometa que vai escrever a história desta corrida, do homem indo ao encontro da morte. Pode ser?
- Combinado.

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