domingo, 4 de fevereiro de 2018

Enquanto parava o táxi, analisei melhor a dupla na calçada, que solicitava meu serviço. Uma mulher, na casa dos 60, baixinha, gordinha, vestido antiquado. Junto dela, um cara mais novo, gordinho também, mas estilo bem diferente: fones de ouvido roxos, enormes, óculos fundo de garrafa, camiseta de torcida organizada e bermudão. Enquanto a mulher fazia sinal para meu táxi, o cara se sacudia como se estivesse tirando um solo em uma guitarra imaginária, cabeça jogada pra trás, olhos fechados, mó viagem. Ela embarcou pela porta traseira, com dificuldade nas pernas enquanto ele sentou-se na frente, ao meu lado. Centro da cidade.
Por conta dos fones com volume muito alto, o gordinho falava comigo aos berros. Desconfiado de sua próstata, ele queria saber de mim quantas vezes levanto à noite para urinar, quantas vezes seria o normal, ele diz que chega a ir três vezes ao banheiro em uma noite, mija aos pingos, blá, blá, blá... tudo isso aos berros. A mulher, por sua vez, apenas observava o movimento. Até aí, tudo bem, o problema foi na hora de pagar a corrida.
- Deu treze, mãe, treze Reais. Paga aí, eu só tenho 10 pilas aqui.
- Paga tu, eu só tenho 50 Reais. Paga a corrida.
- Só tenho dez, mãe.
- Como assim só tem 10? E o dinheiro que eu te dei?
- Paga aí, mãe. O taxista tem troco.
- Mas eu te dei dinheiro, Jair! Tu está dando o teu dinheiro praquela vagabunda, Jair? Não me diz que tu está sustentando aquela piranha, Jair!
- Que piranha, mãe, paga a corrida.
- E o dinheiro que eu te dei, Jair? Te dei 50 Reais, Jair!
- Isso foi semana passada, mãe, comprei remédio.
- Que remédio, Jair, tu está saindo com aquela lambisgoia de novo, aposto que está sustentando aquele filho dela, aquele filho não é teu Jair, ela te engana, te passa pra trás, Jair, tu não está vendo, meu filho! Não é possível!
- Em casa a gente conversa, mãe, paga a corrida, o taxista tem que trabalhar.
- Paga tu, Jair, te dei dinheiro, Jair.
Como a coisa não desatava, aceitei os 10 pilas do Jair, tudo bem, deixa assim. Ele se desculpou aos berros - o rock'n roll ainda explodindo nos fones de ouvidos. Aparentando culpa no cartório, Jair ainda tentou ajudar a mãe a desembarcar do táxi, gentileza que ela dispensou aos tapas e xingamentos. De posse dos meus suados dez pilas, desliguei o taxímetro e parti pra outra. Já era.
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Uma mulher nua faz sinal para meu táxi. Ela embarca no carro completamente nua, sequer um anel que lhe cubra parte de um dedo. Nada. Como veio ao mundo. Quando vou arrancar o táxi, a mulher lembra que esqueceu de algo e pede que eu espere um instante. Ela entra em casa e volta em um minuto ainda totalmente nua, mas com o cabelo preso. Quando finalmente partimos, ela exclama aliviada:
- O senhor acredita que eu já ia saindo de casa sem tiara?!
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Hard news
Acaba de acontecer
Táxi requisitado para Socorro. Homem baleado no abdômen, sangrando (uma toalha encharcada de vermelho tentando conter o sangramento). Alta velocidade, gritaria, pânico. Tentativa de assalto (o carro dele, crivado de balas, ainda deve estar obstruindo a Bento Gonçalves neste momento). Desceu do táxi na emergência do HPS consciente, caminhando, desejei boa sorte. Capa do banco traseiro do táxi retirada para lavagem.
Vida que segue
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Segundo me contou, ela queria apenas pintar o cabelo, ajeitar as unhas, dar um tapa no visual. E comer uma fatia que fosse de melancia. Restrições alimentares, açúcares, taxa de glicose, tempo de protombina e outros enigmas cientificos, ela falou que queria apenas uma inocente fatia de melancia, e uma luz mínima no cabelo que lhe permitisse encarar a morte de frente, redimida por uma mecha de beleza e um resto de paladar. Peguei-a no salão de beleza, aberto só para atendê-la, àquela hora da madrugada, "pra quê servem as amigas". A melancia já tinha comido, o cabelo chapado, iluminado, zero cutículas, dizia-se pronta para encarar seus 50% de chance, enfrentar uma cirurgia de mais de 10 horas, isso, claro, se a aceitassem de volta ao hospital de onde ela tinha fugido no fim da tarde, na troca de plantão da enfermagem. Sentia-se mais forte, agradeceu-me a paciência de escutá-la, taxistas nem sempre se preocupam. Desceu do táxi segurando o suporte de metal, a bolsa de medicação pendurada, quase vazia, injetada em seu braço, a camisola aberta nas costas deixando a bunda à mostra, que se dane, logo o dia amanheceria, uma mesa de cirurgia a esperava, a chance de não ver novamente a luz do sol, cinquenta por cento, a ideia era entrar no céu causando, se fosse o caso, cabelo pintado e o bico doce. Entrou pela porta do hospital sob olhar curioso do vigia, que, na dúvida, achou melhor deixá-la passar antes de começar as perguntas. Depois de uma passageira dessas, restou desligar o taxímetro e procurar o sono.

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