domingo, 19 de abril de 2015

Paraíba

Parei no meio da manhã para esticar as pernas e forrar o estômago. Um boteco no Bairro Azenha, fácil de estacionar, lugar frequentado por taxistas como eu. O atendente, com um guardanapo no ombro, me espicha o queixo. Uma empada e uma taça com leite, por favor.

Sentei na mesa com o Paraíba, um taxista manjado, sessentão, conhecido na praça. Da antiga, dirige com o braço esquerdo pendendo para o lado de fora do táxi. Ele quis puxar a conversa de sempre, do trânsito, do preço do combustível e tal, mas alguma coisa me dizia que ele tinha uma história para contar - afinal, como um paraíba acaba virando taxista em Porto Alegre?

-- Aqui nesse boteco servem o melhor pastel do mundo, não se encontra nada parecido na minha terra - argumenta meu colega.

Depois que o atendente trouxe meu pedido, Paraíba começou a contar sua saga. Na verdade, uma fuga. Foi enxotado a bala do nordeste. Ele era um garoto que trabalhava em uma fazenda, um simples peão. Por mais improvável que fosse, a filha (única) do fazendeiro acabou se engraçando com ele. Namoraram escondido. Ela engravidou.

O pai da moça jurou-o de morte. A bala comeu, ele conseguiu escapar, mesmo com um tiro no quadril. Embrenhou-se no mato, correu o quanto pode, sem nunca olhar para trás. Acabou sendo ajudado por um caminhoneiro que vinha para o Sul. Parou em Porto Alegre onde, por algum tempo, comeu o pão que o diabo amassou. Até virar taxista.

Quase me arrependi de ter pedido a empada, o pastel daquele boteco da Azenha parece mesmo ser o do mundo: recheado com metade de um ovo e muito guisado.

Paraíba contou que nunca pensou em sequer passear pelo nordeste. Porto Alegre lhe acolheu como a um filho. Venceu um câncer, duas pontes de safena e um pino no joelho. E diz que ainda carrega no corpo a bala que o fazendeiro lhe enfiou no couro.

-- Se o chumbo caminha mesmo pelo corpo, já deve estar lá pelo garrão.

Terminado o papo, cada um em seu táxi, cada um por si. Na próxima, vou de pastel.

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