domingo, 9 de junho de 2013

Ensaio sobre a avareza

A passageira apontou o prédio onde queria ficar. Ela pediu que eu subisse o recuo da calçada, para que pudesse desembarcar na porta do edifício. Sem problemas.

Mas o sinal fechou e os carros à nossa frente obstruíram a passagem. Parei a alguns metros do ponto indicado. Como tínhamos alguns segundos até que o sinal abrisse e eu conseguisse chegar com o táxi até a porta do prédio, resolvi informar o preço da corrida, para que ela fosse providenciando o dinheiro. O taxímetro marcava R$ 9,94, mas cometi a asneira de arredondar o valor:

- Dez reais.

Com o canto do olho, percebi que a mulher agitou-se no banco traseiro. Ela projetou o corpo para frente, ajeitou os óculos como quem quer garantir que está enxergando bem. Depois de certificar-se que eu a estava observando, olhou-me atravessado e falou pausadamente, separando cada sílaba da frase:

- Nove e noventa e quatro, moço. Para ser exato.

Virei-me para minha cliente e olhei bem dentro dos seus olhos. Por alguns segundos, ficamos assim, medindo nossas próprias feições. Ela tinha as sobrancelhas levemente arqueadas e um meio-sorriso vitorioso nos lábios - expressão típica de quem está com a razão. Minha cara, eu presumo, era a de um pateta que mijou fora do penico. Como sempre.

Esses poucos segundos duraram uma eternidade, com a mulher saboreando sua vitória e eu procurando as palavras para lhe pedir desculpas.

Mas quando eu estava prestes a abrir minha boca, o sinal abriu, os carros da frente andaram e eu acelerei o táxi até o ponto onde ela havia pedido para descer. E nesse pequeno trajeto, o jogo virou. O taxímetro bateu mais uma fração. Passou a marcar R$ 10,16. Bingo!

Em frente ao prédio, puxei o freio de mão e virei-me para a passageira como quem diz: AGORA, a corrida acabou. Ela tinha uma nota de dez na mão e o ar de vitória havia sumido do seu rosto. Olhava para o valor no taxímetro com evidente desgosto.

Foi obrigada a catar R$ 0,16 na bolsa. Para ser exato.

7 comentários:

Pena Cabreira disse...

Excelente, Mauro. Parabéns. Narrativa perfeita. Clima e descrição. Desenho perfeito dos personagens. Literatura da boa. Abraço.

Anônimo disse...

Bah... já me aconteceu várias vezes... ir procurando o dinheiro na bolsa antes de chegar ao destino.
Quase sempre calculo errado...

Silvia

Martial Telles disse...

Ela queria os seis centavos? Miguelando credo...o taxímetro te salvou hein Sr. Mauro? kkkkkkkk

Elaine Pacheco disse...

Bem feito pra ela! Pra deixar de miserinha kkkk
Esse tipo de valor quebrado mexe com nosso psicológico mesmo. Sempre que vou comprar algo que custa, por exemplo, 22,99, eu leio alto pra minha própria consciência - VINTE E.. TRÊS! - E penso - Yes! A mim eles não enganam! =D

( Mauro, li e ri simultaneamente de novo!)

thais disse...

Me arrisco a dizer que foi seu melhor texto que eu já li.

Unknown disse...

hahahahahahahah!
Ação e reação!
Competindo na avareza ou dando uma lição?

Robinho do taxi disse...

bando de falso rico avarento é uma merda já passei por essas situações varias vezes ;quando não querem pagar a corrida antes do trajeto terminar só para darem de espertos