domingo, 21 de agosto de 2011

As broas de velório

Para morrer basta estar vivo. Este é o lema da Evinha, minha mais idosa passageira. Dona Eva tem aproximadamente 100 anos! Sua filha garante que a idade da mãe pode ultrapassar um século, pois, na época em que ela veio ao mundo, os pais esperavam que mais filhos nascessem para registrar todos de uma vez, o que poderia levar alguns anos.

O interessante é que dona Eva, apesar de gozar de boa saúde para sua idade, está sempre preparada para morrer. Toda vez que minha simpática cliente precisa ficar internada para algum procedimento hospitalar, prepara tudo, antes de sair de casa, para sua "última viagem".

Segundo sua filha, dona Eva pensa em todos os detalhes. Ela certifica-se que os documentos da cremação estão em ordem, inclusive com a trilha sonora escolhida a dedo: grandes sucessos de Roberto Carlos. Sua melhor roupa fica dobrada em cima da cama. Evinha não esquece sequer de preparar deliciosas broas de polvilho para os convidados do velório terem o que comer.

Sempre que dona Evinha volta do hospital, filhos, netos, bisnetos e vizinhos deliciam-se com a distribuição das tais broas. No lugar de enterro, o que sempre acontece é uma verdadeira festa com as guloseimas que seriam servidas no velório. As broas de velório da dona Eva já são famosas na vizinhança!

Quando dona Eva tinha por volta de 60 anos de idade, sua filha tentou convencê-la a trocar a prótese dentária por uma mais moderna. À época, Evinha alegou que estava à beira da morte, muito velha para mexer nos dentes. Quatro décadas depois, ela continua com a velha dentadura, e não dá sinais de que vá partir para o andar de cima.

Essa semana, levei dona Evinha para o hospital. Vai ficar internada para tratar-se de uma pneumonia. Quando perguntei-lhe pelas broas, soltou uma gargalhada de balançar a velha chapa. Disse que deixou um vidro cheio de bem fornidas broas de polvilho.

Coloquei-me à disposição para buscá-la quando der alta do hospital. Não quero perder a distribuição das famosas broas de velório da dona Eva!

7 comentários:

Anônimo disse...

Outro ditado desse tempo era: prevenção e água benta, nunca é demais! srsrsr

Clarice disse...

Mais ou menos fanática por organização, mas não por arrumação, aplaudo dona Eva, mas broinhas? Que vão comprar esses safados! Já basta que vão ficar com o que pude arranjar trabalhando como doida.kkkk
Abração e boa semana de frio.

Leci Irene disse...

hehe.... preciso aprender algo com esta senhora - estar preparada para qualquer hora partir. Mas, olha, guri, apesar deste frio todo me recuso a pensar em bater com as botas na cerca e muito menos preparar quitutes para a familia!!!!! hahaha
- qunado teremos um novo livro??

Liana disse...

Roberto Carlos no velório? Já não basta o mal-estar natural que um velório causa? :P

Maykon Souza disse...

Muito bom. Tá cheio de gente que, com medo de morrer acaba nem vivendo. Lendo teu texto, lembrei de um curta-metragem chamado "Morte", de um diretor daqui de Santos, José Roberto Torero. É a história de uma senhora (vivida pela Laura Cardoso) muito parecida com a sua passageira, que passa o filme todo preparando seu velório. Só não tem as broas.
Depois, dá uma olhada...

http://www.youtube.com/watch?v=zLAhyAS7eus

Abraço
Maykon
http://amenidadescronicas.blogspot.com

Anônimo disse...

Essas broas parecem mais pretexto para ter uma festinha cada vez que a velhota sai do hospital. Perspicaz a danada!

Dalva M. Ferreira disse...

Bela crônica!