domingo, 20 de janeiro de 2013

Anjos não conhecem a morte

Triste é não poder chorar, não poder deixar que as lágrimas deságuem o amargor que está corroendo a alma. Difícil é ter que ser forte, é ter que desviar o olhar para que ele não revele a dor...

Ao instalar-se no banco traseiro do táxi, a mulher respirou fundo e pediu que eu aguardasse um minuto antes de partir. Ela pegou um lenço e secou os olhos. O rosto vermelho. Os soluços mostravam que ela já vinha chorando havia algum tempo. Perguntei se estava tudo bem. Uma pergunta idiota. Claro que não estava.

A corrida era curta, minha cliente, uma mulher de meia-idade, estava indo buscar sua netinha na creche, a poucas quadras do meu ponto. Ela pediu que eu esperasse um instante, para que conseguisse se recompor. Para que respirasse um pouco. Não queria que a criança a visse daquele jeito.

Minha passageira havia perdido sua filha recentemente. Vítima de um tipo raro de câncer, a jovem teria morrido em poucos meses, no auge dos seus vinte e tantos anos. É difícil para uma mãe assimilar um golpe desses, mas a vida precisa ser levada adiante. Havia uma criança esperando que a buscassem na creche. Uma criança que não veria mais sua própria mãe.

A garotinha embarcou no táxi correndo. Tinha passado o dia elaborando um brinquedo com uma espiga de milho. Orgulhosa, mostrava os detalhes para a avó. As pernas de palitos, os olhos de feijão. Confessou que não via a hora de chegar em casa para mostrar à sua mãe o boneco que havia feito. Um anjo não conhece a palavra morte.

A mulher pagou a corrida em silêncio. Disse-lhe que lamentava sua perda e desejei sorte com a neta. Ela esboçou um sorriso amarelo em agradecimento.

A garotinha seguiu na frente, saltitante, levando seu boneco de milho, puxando a avó pelo braço. A energia da criança parecia dar forças à mulher, que além de levar a mochila colorida da neta precisava carregar também seu próprio fardo: uma tristeza cinza, escura, enorme. A tristeza de quem sequer pode chorar.

8 comentários:

  1. Bárbaro. Emocionante. O melhor texto já postado aqui.O mais verdadeiro, o mais bem escrito. O mais tudo. Parabéns, Parabéns!

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  2. :-(

    a mãe já tinha visto o boneco, por que agora ela está o tempo todo ao lado da filhinha

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  3. tocante esse texto. grande Castro.
    abraços.
    Adro.

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  4. Nossa infelizmente a vida é assim mesmo, de ganho e perdas de vida ! :( Triste a realidade mas é a realidade !

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  5. SÉRGIO LB10:56 PM

    Mauro,

    Faço coro ao que o "vidacuriosa" comentou 'de primeira' sobre a tua crônica desta semana, e que 'tocou' a todos os teus fãs.
    Ela é emocionante, triste, delicada, sensível, humana, e principal, terna: enfim, bárbara!

    Um grande texto, sem dúvida.

    O título escolhido para a crônica, então, espetacular!

    Digno, sinceramente, de um documentário ou de uma mini-série(ou algo assim).

    Alô RBS!!!



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  6. Nossa...chega a ser injusto né?
    Uma vida por outra.. a tristeza e alegria, sem nenhum meio termo...

    =<

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  7. Mauro, nesta crônica, consegues tocar as raias do lirismo poético.
    Um tema doloroso enfocado de forma sensível, humana e talentosa.
    Vou divulgá-lo lá no Facebook.
    Deixo um breve poema.

    A morte
    seja aqui
    ou em Marte
    dói corrosiva.

    Ela nos leva embora
    sem convite.

    Sem tempo para
    retocar a maquiagem
    ou pedir mais uma ao garçom.

    É individual
    intransferível
    e inafiançável.

    Um anjo negro
    que nos causa temor.

    Ricardo Mainieri


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